quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Repressão em nome da conveniência.

Antes tarde do que nunca, já diz o velho chavão.

Iniciei há pouco tempo a leitura do famigerado "Revolução dos Bichos" de George Orwell. Logo pretendo escrever algo mais completo sobre a obra, no entanto, chamou-me muito a atenção o trecho reproduzido logo abaixo.

A obra traz muita angústia, agonia e inconformação. Orwell faz uma crítica aos modelos ditatoriais, repressores, totalitários. Fica claro, porém, que a crítica é direta ao modelo stalinista pós-revolução russa de 1917. E é com essa analogia que pretendo trabalhar dentro de alguns dias, após a leitura do livro.

Antes, gostaria de expor aqui o sentimento de atemporalidade que a obra traz. Mesmo sabendo que o livro traz uma crítca àquele tempo, fica latente a possibilidade de adequação ao nosso e qualquer outro contexto de letargia e paralisia em frente às barbaridades das quais nos submetemos frente à política brasileira e externa.

Ao ler a obra de Orwell, um sentimento de incredulidade permanece constante e dolorido frente ao conformismo dos animais perante às artimanhas do líder Napoleão. A aceitação e submissão dos animais nos traz o pré-julgamento de estupidez e maleabilidade. O que é preciso refletir aqui é: estamos tão longe da realidade dos "Bichos" do sistema "Animalismo"? Ou somos o Sansão da nossa história (cujo lema é "Napoleão tem sempre razão" e "a solução que vejo é 'trabalhar sempre mais'")?. Ou então preferimos assumir a função do burro Benjamin - sempre calado e reflexivo, que dá a impressão de sábio, no entanto não age, não muda, não transforma, prefere permanecer inerte à sua realidade, sabendo que é um ser que vive demais e o esforço não vale o resultado?
Abaixo, sob ilustração de Daniel Kawano, trago um trecho da obra, na qual Napoleão executa inimigos infiltrados no sistema, passagem que nos leva imediatamente ao massacre executado pelo ditador Stálin antes do meio do século XX, quando tem praticamente todos os seus inimigos assassinados.



Ilustração de Daniel Kawano

" Napoleão parou e dirigiu um olhar severo à assistência; depois deu um guincho estridente. Imediatamente os cachorros avançaram, pegando quatro porcos pelas orelhas e arrastando-os a guinchar, de dor e terror, até os pés de Napoleão. As orelhas dos porcos sangraram e o gosto do sangue pareceu enlouquecer os cachorros. Para surpresa de todos, três deles lançaram-se sobre Sansão. Este reagiu com um pataço que pegou um dos cachorros ainda no ar, jogando-o ao solo. O cachorro ganiu pedindo compaixão, e os outros dois fugiram, com o rabo entre as pernas. Sansão olhou para Napoleão para saber se devia liquidar o cachorro ou deixá-lo ir. Napoleão pareceu mudar de idéia e rispidamente ordenou a Sansão que o soltasse, e ele ergueu a pata, deixando ir o cachorro ferido, uivando.

O tumulto amainou. Os quatro porcos esperavam trêmulos, com a culpa desenhada em cada linha do semblante. Então Napoleão concitou-os a confessar seus crimes. Eram os mesmos que haviam protestado quando Napoleão abolira as Reuniões dominicais. Sem mais demora, confessaram ter realizado contatos secretos com Bola-de-Neve desde o dia de sua expulsão e haver colaborado com ele na destruição do moinho de vento; confessaram ainda que também haviam-se comprometido com ele a entregar a Granja dos Bichos a Frederick. Acrescentaram que Bola-deNeve havia admitido, na presença deles, ter sido durante muitos anos agente secreto de Jones. Ao fim da confissão, os cachorros estraçalharam-lhes a garganta e, com voz terrível, Napoleão perguntou se algum outro animal tinha qualquer coisa a confessar.

As três galinhas que haviam liderado a tentativa de reação a respeito dos ovos aproximaram-se e declararam que Bola-de-Neve lhes aparecera em sonho, instigando-as a desobedecerem as ordens de Napoleão. Também foram degoladas. Aí veio um ganso e confessou ter escondido seis espigas de milho durante a colheita do ano anterior, comendo-as depois, à noite. Uma ovelha confessou ter urinado no açude por insistência, disse, de Bola-de-Neve - e duas outras ovelhas confessaram ter assassinado um velho bode, seguidor especialmente devotado de Napoleão, fazendo-o correr em volta de uma fogueira quando ele, coitado, estava com um ataque de asma. Foram mortas ali mesmo. E assim prosseguiu a sessão de confissões e execuções, até haver um montão de cadáveres aos pés de Napoleão e no ar um pesado cheiro da sangue, coisa que não sucedia desde a expulsão de Jones ".

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Nostalgia

*a matéria é de "Revista de História da Biblioteca Nacional

18/02/2011
Balas que marcaram época
Mostra no Museu Paulista expõe 206 embalagens de doces fabricadas a partir da segunda metade do século XX

Em 1985, surgiu no interior de São Paulo uma bala amarelinha que marcou uma geração. Embrulhadas em papel colorido, as pequenas Balas Chita de sabor abacaxi se tornaram febre entre os jovens da época. Hoje, as embalagens deste e de mais 205 doces que deliciaram o Brasil nos últimos 50 anos estão em exposição no Museu Paulista da USP, em São Paulo.

As peças expostas foram selecionadas entre 5 mil rótulos e embalagens que compõe uma coleção adquirida pelo museu em 2003. O intuito dos curadores da mostra era de fazer o visitante refletir sobre três questões: os sabores preferidos por gerações, a transformação das embalagens e a mudança de costumes ao longo dos anos.

“Papel de Bala” fica em cartaz até o dia 15 de maio. O MP fica no Parque da Independência, s/n. Visitação é gratuita: de terça a domingo, das 9h às 17h. Ingressos: R$ 6. Mais informações pelo telefone (11) 2065-8001.

Abaixo, algumas embalagens em exposição:

[Chiclete Ping Pong]

[Bala Pop´s]

[Caramelo Dimbinho]

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Chamada FAPESP - Universidade de Surrey

"Chamada FAPESP-Universidade de Surrey recebe propostas até dia 15

Postado por Rede Histórica em 11 fevereiro 2011 às 15:49

Agência FAPESP – A FAPESP e a Universidade de Surrey, no Reino Unido, receberão até o dia 15 de fevereiro propostas na chamada para intercâmbio de pesquisadores lançada em 23 de novembro de 2010 pelas instituições.

Podem apresentar propostas pesquisadores vinculados a instituições de ensino superior ou pesquisa, públicas ou privadas, no Estado de São Paulo, responsáveis por Auxílios à Pesquisa vigentes apoiados pela FAPESP, nas modalidades Auxílio à Pesquisa – Regular, Auxílio à Pesquisa – Projeto Temático ou nos programas Apoio a Jovens Pesquisadores em Centros Emergentes (JP) e Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid).

Em cada proposta, podem se candidatar para o intercâmbio o próprio pesquisador responsável, pesquisadores doutores e bolsistas de pós-doutoramento da FAPESP associados ao projeto vigente.

A chamada está aberta a todas as áreas do conhecimento. O período de atividade do intercâmbio, de até 24 meses, deve estar contido na duração do projeto apoiado pela FAPESP.

A FAPESP e a Universidade de Surrey destinarão cada uma o equivalente a até 6 mil libras por ano para cobrir despesas de transporte, moradia e seguro dos selecionados.

As solicitações deverão ser apresentadas simultaneamente pelo pesquisador no Estado de São Paulo (à FAPESP) e por seu colaborador no Reino Unido (à Universidade de Surrey).

Mais informações sobre a chamada: www.fapesp.br/acordos/surrey "

Texto na Rede Histórica aqui

Motins de Fome - por E.P. Thompson

Primeira parte do capítulo IV de “Costumes em Comum”, de E.P. Thompson, intitulado “A Economia Moral Inglesa do Século XVIII” sobre motins de fome - Breve resumo por Priscila Borba da Costa..
I
No início do capítulo o autor logo anuncia que tratará dos motins de fome na Inglaterra do século XVIII. A seguir traz a maneira de como foram tratados esses motins pelos historiadores que contribuíram para o nosso conhecimento sobre o assunto. Vários deles, segundo Thompson, tem apoiado a “visão espasmódica” da história popular. Entende-se, por essa visão, que as ações populares aconteciam por estímulo, espasmo. Para ilustrar, Thompson lista alguns historiadores que trataram do assunto. Estes retratam os motins como “desculpas para o crime”, “degeneração”, “desgraça”, “reação instintiva da virilidade à fome”, “rebeliões do estômago”. Thompson explica: “A linha de análise flui assim: elementar – instintivo – fome”.
Retrata que o maior nome da visão espasmódica é Rostow, que explica através do seu “mapa da tensão social” que as perturbações sociais surgiam de uma combinação do desemprego e o aumento dos preços dos alimentos. Trazendo o que Thompson considera uma verdade óbvia: “as pessoas protestam quando estão com fome”.
O autor discorda e chama a visão de Rostow e dos demais de “reducionismo econômico crasso” e explica que o comportamento não pode ser reduzido ao estímulo.
Essa primeira parte do capítulo vai trabalhar esse contexto muito mais complexo do que simplesmente estímulo.
“O motim da fome na Inglaterra no século XVIII era uma forma altamente complexa da ação popular direta, disciplinada e com objetivos claros”. Mais a frente no parágrafo, ele continua: “É certamente verdade que os motins eram provocados pelo aumento dos preços, por maus procedimentos dos comerciantes ou pela fome. Mas essas queixas operavam dentro de um consenso popular a respeito do que eram práticas legítimas e ilegítimas na atividade do mercado, dos moleiros, dos que faziam pão, etc. Isso, por sua vez, tinha como fundamento uma visão consistente tradicional das normas e obrigações sociais, das funções econômicas peculiares a vários grupos na comunidade, as quais, consideradas em conjunto, podemos dizer que constituem a economia moral dos pobres”. Por fim explica: “O desrespeito a esses pressupostos morais (...) era o motivo habitual para a ação direta”. (THOMPSON, 152)

II
Na segunda parte, Thompson fala sobre as leis que regiam o mercado a fim de proteger os pobres dos preços altos dos cereais. Relata que os trabalhadores do século XVIII não viviam somente do pão. Entretanto era a base de sua alimentação. E que, embora muitos comessem pão de centeio, cevada, aveia, pelo menos dois terços da população comia o pão feito de trigo.
A mistura de outros cereais consistia, muitas vezes, em situação de pobreza, solo pouco produtivo ou locais de difícil maturação do trigo.
Além do status atribuído ao pão branco, nas cidades, havia o medo de que pães integrais fossem adulterados e a eles adicionados elementos nocivos. Houve tentativas das autoridades no sentido de impor uma fabricação de pães mais grosseiros, mas havia um preconceito, por assim dizer, em relação aos demais pães. Pensava-se, por exemplo, que aqueles que estavam habituados a comer pão de trigo ao comer pães com misturas de cevada sentiriam indisposição para trabalhar. E quando o governo proibiu, em 1800, a fabricação de pães com qualquer outra farinha a não ser a integral ocorreram manifestações, que levaram à revogação da lei. Um exemplo delas está na página 155, terceira citação:
Um grupo de mulheres [...] foi até o moinho de vento de Gosden, onde, atacando o moleiro por lhes ter fornecido farinha escura, elas se apoderaram do pano com que ele estava peneirando a farinha (...) e cortaram-no em mil pedações; ameaçado fazer o mesmo com todos os utensílios. (THOMPSON, 155)
Em menos de dois meses a lei foi revogada.
Por mais simples que pareça o processo de distribuição dos cereais para a produção do pão, Thompson explica que em cada etapa desse processo surgiam complexidades como, por exemplo, oportunidades de extorsão. É nesse ponto do texto que o autor inicia-se a tratar da supervisão dos mercados.
O mercado deveria ser direto do produtor para o consumidor. O agricultor trazia o produto para o mercado local e a venda tinha que ser realizada em horários determinados, controlados por sinos e os comerciantes mais abastados não poderiam efetuar a compra antes da população mais pobre.
Eram proibidas as compras antecipadas, compras para futura revenda, açambarcamentos (retenção de matéria-prima com o objetivo de provocar elevação nos preços), assim como controladas as ações de vendedores ambulantes, varejistas, vendedores de amostras.
Através de autores de panfletos Thompson relata a ineficiência dessa fiscalização.
O que se vê não é mais do que bazares e barracas que vendem quinquilharias e badulaques [...]. As taxas são quase nulas; e se muitos habitantes ainda lembram que cem, duzentas, talvez trezentas, e, em alguns burgos, quatrocentas cargas de cereais costumavam vir à cidade num dia, agora a grama cresce na praça do mercado.
O século avança, as reclamações não desaparecem e proíbe-se a venda por amostragem, e promete-se punição aos fazendeiros que não direcionarem seus produtos aos mercados abertos.
Com pouca eficácia da fiscalização, novos motins ocorrem e os fazendeiros tomam caminhos alternativos, como reuniões entre eles e negociação dos preços antes de levá-los ao mercado. Os autores de folhetos indignam-se, defendendo que a presença dos fazendeiros no mercado é uma parte material de seu dever e não se deve tolerar que ele esconda ou disponha de suas mercadorias em outro lugar.
O modelo paternalista estava falhando, afastando-se da realidade. Reconheciam isso, mas, como reféns do povo, povo este que adotava partes do modelo como direito e herança, sempre voltavam atrás quando surgia uma emergência. O que parecia até conveniente, pois quando os motins se formavam, abria-se espaço para a pressão na redução dos preços.
A legislação contra as compras antecipadas foi revogada em 1772, a revogação, no entanto, fora mal redigida e em 1795 foram anunciadas novamente como delito.
Thompson declara que tudo isso tinha efeito simbólico para que os pobres sentissem que seus interesses estavam sendo defendidos.
III
Na terceira parte do capítulo, Thompson aborda a Reação ao paternalismo e a regulação do mercado, com a visão de Adam Smith e outros nomes. Coloca A riqueza das nações de Smith como uma
grande estação central para onde convergem muitas linhas de discussão na segunda metade do século XVIII (...) algumas delas (...) especificamente interessadas em demolir a antiga regulamentação paternalista do mercado. Isso significava mais um antimodelo do que um modelo novo. (THOMPSON, 160)
O proposto novo modelo tratava da capacidade de auto-regulação do mercado, defendia que no período de um ano o preço dos cereais se ajustaria por esse mecanismo de auto-regulação. Haveria a possibilidade de estocagem, de modo que os fazendeiros e comerciantes pudessem controlar a venda. E até mesmo quando houvesse elevação dos preços seria interessante para que houvesse um maior racionamento dos produtos, garantindo que nunca houvesse carestia de cereais. A partir dessa visão, a única maneira de entrar em colapso seria a intervenção do Estado e o preconceito popular.
Smith condena a proibição de produzir antecipadamente e estocar. Defende que isso desestimula o aumento de produção e prejudicaria o próprio comércio.
Thompson analisa a visão de Smith como ilusória. Enfatiza que seu objetivo não é refutá-lo, mas desconstrói algumas de suas ideias. Quando Smith defende que haverá um racionamento de cereais quando os preços se elevarem, por exemplo, Thompson discorda.
Defende que, sendo a base da alimentação, o pobre comprará somente o pão e deixará de comprar outros produtos. Ou seja, o consumo de pão será ainda mais elevado. Com o aumento de preço, a população comprará somente carne de baixa qualidade e pão. “Ao lado da água e ar, os cereais eram uma necessidade fundamental da vida, anormalmente sensível a qualquer carência na oferta” (página 163).
Mais a frente Thompson descreve que com o avançar do século os procedimentos do mercado se tornavam ainda menos transparentes, os cereais passavam por uma rede ainda mais complexa de intermediários.
Em setembro e em outubro quando era época de colheita abundante e os preços não eram reduzidos, novos motins ocorriam. Thompson termina essa parte do capítulo com mais uma passagem de um diário de um agricultor, que mostra o grande lucro de suas transações.
IV
Tanto os paternalistas se irritavam com os negociadores, quanto a multidão, pois em tempos de escassez eles não admitiam que o produto dali fosse vendido pra outros lugares.
Além disso, o produto vendido internamente ganhara a fama de má qualidade. Por vezes foram publicadas e, por conseqüência, divulgadas, declarações e acusações de impureza do pão. Que se misturavam cal, giz, ossos roubados dos cemitérios, e até esterco seco de cavalo ao pão.
Os motins se intensificam na tentativa de proibir a exportação dos cereais. Os mineiros que trabalhavam perto das passagens do trigo eram especialmente inclinados a agir nas épocas de comércio. Certa vez, ofereceram uma quantidade de dinheiro aos comerciantes por alguns galões de trigo e quando negados invadiram a porta do porão e carregaram tudo, sem pagar por nada.
As estradas eram bloqueadas, as carroças interceptadas e descarregadas. Ameaçava-se destruir os canais.
Cartas anônimas de apelo eram enviadas às autoridades. Cartas de ameaças aos negociantes. Sempre colocando do que seriam capazes de fazer, caso não atendidos.
O alvo deixa de ser o padeiro, que em contato diário com a população, tinha certa proteção do paternalismo. O padeiro, por sua vez, direcionava a culpa para os moleiros ou o mercado de cereais.
(...)
THOMPSON, E.P. “A Economia Moral da Multidão Inglesa no Século XVIII” in Costumes em comum: estudos sobre a cultura popular tradicional. SP: CIA. Das Letras, 1998