quinta-feira, 2 de junho de 2011

O retrato da marcha da liberdade por Felipe Floresti

Felipe, com licença?! Preciso compartilhar seu texto. Porque foi assim que me senti com a falta do noticiário. Porque foi assim que me senti com os pre-julgamentos quando eu disse que fui à Marcha... Porque é assim que a gente se sente vendo tanta desinformação.



Texto de Felipe Floresti sobre a Marcha da Liberdade.
Minha mãe me ligou preocupada na última sexta-feira.
_ Você vai participar de uma passeata amanhã?
_ Vou mãe!
_Aí Fê. Toma cuidado lá. Tem polícia. Sempre tem briga.
_Mãe, se tiver alguma briga, é a polícia que causa. O clima e o objetivo são outros.
O mundo mudou, mãe. Pelo menos uma parte dele. Teve uma época, que eu vi em filmes, em que as pessoas pegavam em armas para lutar contra um inimigo concreto. Ele tinha nome, sobrenome e patente. Concordando ou não, todos sabiam quem era. Era mal e violento. Para lutar com ele, foi preciso pegar em armas.

Esse se foi. Não houve a queda marcante que todos queriam, mas uma transição tranquila e segura (para eles). Depois disso, lembro de jovens contra a globalização, atacando fóruns econômicos mundiais, contra a privatização. Lembro do pequeno Felipinho sentado no sofá, ao lado de meu pai, vendo os mesmos apresentadores de hoje (ou era o Cid Moreira? Será? Sou véi assim?), e ouvindo papai dizer: “Se perguntar, aposto que eles nem sabem por que estão lá”. Eu achei graça, mas tenho certeza hoje que eles sabiam. Eu entendo e compartilho de suas ideias. Mas a violência de coquetel molotov, faces cobertas, brigas, não teve resultado. Está tudo privatizado, globalizado, definido, é o “fim da história” de Fukuyama.

Bom, agora sei que quem não entendia era

 meu pai. Não por culpa dele (pai, te amo). A TV não mostrou as razões de ninguém que estava lá, da mesma forma que não mostrou no grande comício de Diretas Já que transformou em celebração do aniversário da cidade. Nem os jornais, nem a Veja, a revista inacreditavelmente mais lida do País. É menos claro quem é o inimigo desta vez. Inimigo acobertado por quem tem o interesse em acobertar. Papai não tinha internet. Blogs? Midia alternativa? Isso não existia. Houve uma época em que o Marcelo Tas era exemplo de jornalismo confrontador. Não que todo mundo precise concordar com quem está lá, ou diz o que quer que seja. É direito de cada um ser neoliberal, anarquista, pedófilo… “Opa, pedófilo não”. Mas tem que pelo menos saber do que se trata.
O tempo passou. O mundo está diferente. A tecnologia ajudou um bocado na vida da gente. Antes, quem podia me contar o que se passava na Espanha se eu não conhecesse ninguém de lá? Eu sei, vejo relatos do que eles passam nas praças Puerto del Sol ou da Catalunya, vi o mapa da praça, sei como e quem comemorou o título do Barça e como fugiram da violência da polícia (lá como cá…). Mas como era a vida do pessoal que gostava de viver na Alemanha Oriental? Existia esse tipo de gente? Imagino que sim, mas esses personagens estão fora do imaginário coletivo. “A revolução não será televisionada”.

Acabada a “Marcha pela Liberdade”, chegando em casa, fui procurar na internet a repercussão do que ocorreu. Os dois skinpunkanarquistaracistawhitepowergayouocaralhoderotuloquereceberam que chutaram o furgão da Globo eram os destaques. Quando não eram, a “Marcha dos dois mil maconheiros que querem fumar maconha sem apanhar da polícia” era notícia. Pô pessoal, desse jeito minha mãe acha que sou maconheiro e saio mijando no carro de rede de TV. Até amigos meus, jovens, inteligentes e instruídos, lançaram um “Aê maconheiro” quando disse onde passei minha gloriosa tarde de sábado, ao invés de ver meu lindo Barça vencer mais uma Champions League com show do Messi vermelhinho. Olha o imaginário coletivo aí gente.

Informação alternativa só atinge quem se interessa por informação alternativa. “É né. Então aquele blog fulero fala a verdade e a Globo mente?”. Hum, vamos ver. Não necessariamente né! Não existe muito verdades absolutas. Existem pontos de vista. Ou melhor, pontos de referência. Sabe? Aquilo que a gente aprende na aula de física. Ponto material, e os caralho? Então, a visão das coisas é diferente de onde se olha. Às vezes acabam complementando a informação, às vezes atrapalham o que se quer ver. A imprensa tradicional com certeza não estava na “Marcha”. Podia estar em volta, vendo de perto, mas não estava lá. Não sentiu a vibe. Via de fora. Não estava dentro. Eu estava. O pessoal abaixo também.

Tá certo que uma boa parte estava querendo a legalização da maconha. Era uma das demandas mais ouvidas por lá. Era bandeira do Bob pra cá, legalize pra lá. “Ei polícia, pamonha é uma delícia”. Também teve violência. Água e ovo voaram pela janela em alvos aleatórios pela rua. Quando a multidão cruzava a esquina da Av. Paulista com a Consolação, foi a vez de bexigas coloridas tomarem os céus levando ainda mais cor e alegria à marcha. Ao mesmo tempo, provavelmente de algum apartamento abaixo, voaram punhados de gesso mole (devia ser isso) que acertaram um rapaz ao meu lado e uma mulher ali perto, entre outros.

A diferença é que ao lado da maconha, uma dragqueen fazia uma prévia da Parada Gay, e outros defendiam a união homoafetiva. Ao lado, um casal punk com a jaqueta de couro toda incrementada. Pessoas a favor do aborto dividiam as ruas com os querem que o novo código florestal seja vetado. Outros mais focados no que ocorre na Espanha e pensam em democracia real e querem uma mudança no modelo econômico que vivemos hoje. Alguns eram tudo isso junto. Todos ao som de um grupo de maracatu, saltando sem parar, pois “quem não pula quer censura”, felizes, carregando flores, defendendo sua causa e aprendendo com a do outro. “Em casa somos um, juntos somos todos”. Logo a mulher do gesso já pulava mais empolgada que nunca.

E quem jogou coisas da janela? Jogou por não entender o que se passa. Jogou por não estar na rua. Por não poder compartilhar da beleza daquela tarde. Tirassem o pijama, desligassem a televisão e descessem alguns lances de escada, estariam pulando junto com os outros. Era a marcha da liberdade. Liberdade de defender o que bem entendesse, mas focados em um objetivo maior: Ser livre.

Se, como já dizia aquele barbudo: “Tudo que é sólido se desmancha no ar”, quem sabe, então, esse conceito tão intangível não se concretize em cada um e na sociedade? Quem sabe não possa ocupar espaço no imaginário coletivo? Modelos alternativos de mundo, sociedade e economia foram pensados, mas a prática deixou a liberdade muito longe das pessoas. O mundo atual finge que o ser humano é livre, quando poucos conseguem ser. Poucos sabem o que é isso.

Eu não acredito que um momento, um dia, vai entrar para a história como o que mudou o mundo. Sem turning points. Os acampamentos na Espanha começaram dia 15 de maio e duram até hoje, se espalhando para Atenas, Paris, Bruxelas. Não sei até quando eles vão durar. A “Marcha da Liberdade” aconteceu no último dia 28 e se dissipou assim que botamos os pés na Praça da República. Nenhuma mudança concreta foi vista. Começamos a semana tendo que trabalhar, ou buscar emprego, da mesma forma que a anterior. Mas algo aconteceu. Como disse Eduardo Galeano, é a injeção de vitamina E, E de Entusiasmo. A vibe de acreditar que podemos fazer do mundo um lugar melhor para todos seus habitantes. Acredito que quem lá esteve conseguiu sentir a energia, da mesma forma que não espero que quem não foi a entenda.

Mas da próxima vez, antes de taxar qualquer um de maconheiro, briguento, punk, zé rosca ou qualquer outra coisa, antes de jogar ovo, água, gesso ou o que for, dê um pulinho ali. São apenas algumas horas em sua vida. Provavelmente, quando você chegar a sua casa, o mundo vai continuar o mesmo. Mas uma coisa eu te garanto, você não vai. Quem não pula quer mais do mesmo. Você vai mudar. “A gente muda o mundo na mudança da mente”. É assim a revolução de cada um. É essa a revolução do mundo. #worldrevolution.

(por Felipe Floresti)


quarta-feira, 1 de junho de 2011

Calma aí, calma aí, calma aí!

Como diria o nosso hilário amigo que causou um acidente embriagado ali: "Calma aí!". 

Então, quer dizer que os saudosos homens públicos da nossa cidade canção deram pra fazer o que bem entendem, e como bem desejam? 

O que é isso? 

Acabo de ler uma notícia no O Diário em voz alta para o meu namorado, que está a poucos metros de distância de mim. Leio, omitindo o endereço e nome do bar propositalmente, e no fim da reportagem pergunto: Rafa, adivinha onde aconteceu isso? Sua imediata resposta foi: São Paulo? 

Onde mais aconteceria uma atrocidade destas? Para os que não acompanharam a recente notícia que tive acesso no mega-veloz-canal-de-comunicação-superconfiável-Facebook, segue a notícia d'O Diário abaixo:

Uma abordagem da PM deixou os clientes do bar Quintal, na Avenida JK, assustados na noite de ontem.  Conta uma colega de trabalho que quatro viaturas chegaram ao local às 20 horas, com direito a pistolas e até submetralhadora em punho, gritando com  os clientes. O objetivo era fechar o bar, que estaria sem alvará. O fechamento não se concretizou, porque a papelada — uma liminar — já estava nas mãos do proprietário.
O que sempre chamou a atenção foi a truculência da polícia, desproporcional.
As mulheres que estavam no estabelecimento foram colocadas contra a parede e revistadas por uma policial. “Uma PM baixinha chutou o meu pé e disse que era para eu abrir as pernas. Comecei a chorar”, disse a colega. “Uma amiga reclamou da violência e foi agarrada pelos cabelos. Não precisava daquilo”.

Os comentários revoltosos no início da lista que segue a notícia são típicas reações não-recentes de cidadãos maringaenses já temerosos com a ação policial na cidade. Não é de hoje que o poder público reprime e censura, com pífea justificativa, momentos de lazer, principalmente dos universitários (exclusivamente da UEM, na área universitária).

Em seguida, na lista de comentários, surgem comentários raivosos e violentos, em defesa do serviço policial de agressão e descortesia. Em resposta a um deles eu repondo: Não, não quero que o policial me peça licença e me estenda um sorriso antes da revista. Eu quero, sim, que a polícia entre no estabelecimento, em alto e bom tom (sem agressividade) peça para que os clientes se retirem, pois o bar irá fechar por problemas judiciais.

Ao invés disso, os policiais encostam os presentes em uma parede, como relata uma testemunha, uma policial chuta o pé de uma cliente, ordenando-lhe que abra as pernas e puxa o cabelo de outra que está chorando de medo.

Eu posso estar enganada, cometendo um grande equívoco, postando algo que li somente em uma fonte há cerca de 5 minutos, e peço que desconsiderem meu desabafo se me excedo.

No entanto, não é de hoje (sim, me repito) que o poder público está tratando desta forma sua população. Os estudantes da Universidade Estadual de Maringá vem sofrendo similar repressão nos arredores da UEM. Revistas, bloqueios, confrontos, agressividade.

Há poucos meses, quando ainda morava na cidade, ouvi gritos desesperados de socorro que clamavam por polícia. Minha rua era calma e já morava lá há pelo menos um ano, sem que nunca tivesse ocorrido nada parecido. Por azar, era o dia de folga do segurança coletivo. Imediatamente, tremendo de medo, tranquei as portas e janelas, enquanto meu namorado ligava para a polícia. Liguei para o meu irmão para que não voltasse pra casa naquele momento e me tranquei no quarto temerosa. Cerca de dez minutos depois, quando tudo já estava silenciado, saí do quarto e vi a luz do giroflex vermelho na minha janela. Eu e meu namorado saímos de casa e, como numa boa cidade interiorana, toda a vizinhança estava à beira de seus portões, observando a conversa dos policiais com os moradores da casa. Eles gritavam com os moradores, chamavam-lhes a atenção, afinal os engraçadões tinham feito aquele alarme todo brigando com um vizinho nosso! A policial virou para toda a vizinhança e gritou: viu só? satisfeita? está vendo o circo que você armou na rua? trezentas ligações para a polícia de um alarme falso! A GENTE TEM MAIS O QUE FAZER, PORRA! 

Eu sei que o caso não ilustra exatamente o motivo do post, e a oficial estava certa até certo ponto, mas permitam que eu me explique: a impressão que dá é que a polícia acha que está num filme estadunidense, daqueles bem podrões, de "domingo maior", onde pode sair soltando xingões, chavões e clichês. 

Claro que esse desvio foi uma brincadeira... o ponto é claro e só falta mesmo a mobilização (que já começa a se levantar, pouco a pouco). O poder público de Maringá funciona a (des)serviço de uma elite conservadora e antiquada. Pois bem, quando é que a polícia invadiu bares burgos como o Sweet Pepper ou o Lava-carros*, por exemplo, pra revistar os mauricinhos e patricinhas que vendem cocaína e outras drogas em plena noitada?

*Esses bares são fictícios e qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. 

Até hoje não levantei a bandeira dos universitários "beberrões", "baderneiros" e "drogados" (como já nomeados pelos conservadores preconceituosos), mas essa notícia foi o limite - e eu sei que aí o universitário não é a vítima. Mas eu sei quem é o vilão.

Trata-se somente de levantarmos nossas vozes e impedir que a nossa cidade se transforme no absurdo de repressão que São Paulo tem vivido, por preconceito, ineficiência pública e conservadorismo barato.

Ei, eu estou falando com você, que me crucificou, sem eu ter feito nada! 

*eu vou me explicar, antes que um comentário ridículo apareça em reação ao ilustríssimo "acidente embriagado" - se beber, não dirija!