segunda-feira, 1 de outubro de 2012

A Era de Hobsbawm - o historiador do século.


Chegou o temido dia da perda de um dos mais brilhantes historiadores do século. Nascido em 1917 e falecido nesta manhã, aos 95 anos de idade, Hobsbawm inspirou e continuará inspirando muitos jovens historiadores. Confesso que minha esperança era que vivesse mais alguns anos e, com ousadia, ainda esperava poder vê-lo ao vivo, transmitindo sua valiosa experiência. O historiador, no entanto, não deixou de produzir história até o fim dos seus anos. Publicou livos, concedeu entrevistas, palestrou, até que um cansativo período de pneumonia o levou de nós, este ilustre intelectual.

Abaixo, segue um texto que produzi há cerca de um mês, que, na verdade, se trata de uma síntese de um capítulo de Marcos Martins sobre o historiador e algumas observações acerca da relação de Hobsbawm com o tema da História do Tempo Presente. 


Eric John Earnest Hobsbawm 

Uma pessoa incomum: é a expressão escolhida pelo Doutor em História Econômica pela USP, Marcos Lobato Martins, para caracterizar o renomado historiador do século XX. O artigo elaborado sobre Eric Hobsbawm  está no livro Historiadores do Nosso Tempo, organizado por Marcos Antônio Lopez e Sidnei Munhoz. Por incomum, Martins se refere ao leque curioso de temas escolhido pelo intelectual britânico ao longo de sua trajetória acadêmica que se inicia na década de 1950. Hobsbawm trata de assuntos como bandidos, jazz, comunismo, guerra, democracia e, assim, influenciou e influencia estudiosos das áreas humanas em grande parte do globo. 
Lúcido, aos noventa e cinco anos (completados no último nove de junho de 2012), era altamente cotado pelos jornalistas a cada episódio de um mundo em constante transformação, perturbado por crises econômicas, desigualdade social, turbulência política e cultural. 
De família judia, o menino Eric Hobsbawm e sua irmã moraram com os pais em Viena e Berlim durante a infância. Órfão de pai e mãe aos catorze anos, ele e a irmã foram criados a partir de então pelos tios, e em 1933, na ascensão de Hitler, mudaram-se para a Inglaterra (MARTINS, 2010). Foi em Cambridge que Hobsbawm obteve sua formação em História, curso fundamental para jovens britânicos que se interessavam pela vida pública. O interesse do autor por história, no entanto, cresceu na adolescência ao entrar em contato com os estudos de Marx e Engels, como explica Martins. Ainda na graduação, Hobsbawm e seus colegas enriqueceram os estudos do curso de História com o interesse pela discussão com colegas doutorandos, grupos de estudos, e com a busca de fontes históricas, livros e periódicos disponíveis na instituição. Hobsbawm chamou esse processo, muito bem aproveitado por ele e seus colegas, de “programa de autoeducação” naquela universidade que lhes oferecia tantos recursos . 
A importância das contribuições de Hobsbawm começa a ganhar solidez na década de 1950, quando (reunido com historiadores marxistas como Christopher Hill, Rodney Hilton, Edward Thompson e outros) funda a revista Past and Present em 1952. Com Martins, novamente, é possível conferir a significância deste trabalho e deste grupo na mudança da historiografia anglo-saxônica (MARTINS, 2010). Na década de 1950/60, Hobsbawm começa a desenvolver os estudos que mais tarde lhe garantem bastante prestígio:
Foi o tempo dos estudos que focalizavam os trabalhadores e os camponeses diante do processo de expansão da modernidade capitalista. (...) A partir dos anos 1960 e 1970, Hobsbawm também recebeu reconhecimento como autor de ótimas sínteses da história contemporânea, que viraram manuais didáticos bastante usados por estudantes no mundo inteiro. (MARTINS, 2010, p.75).
Foi filiado ao Partido Comunista britânico de 1936 a 68. Em 1956, Thompson e Saville decidem sair do partido. Mesmo com a evasão de 21% dos seus quadros entre fevereiro de 1956 e o mesmo mês de 1957, historiadores como Hobsbawm e Maurice Dobb continuaram entre as exceções que não abandonaram a organização, embora mantivessem críticas à postura dos dirigentes comunistas ingleses (MÜLLER e MUNHOZ, 2010).

A importância de Hobsbawm para a renovação da abordagem marxista na história:
Hobsbawm trouxe aportes importantes para a discussão de dois problemas centrais no pensamento marxista, a saber: 1) a formação da consciência política das classes sociais; e 2) a construção/difusão das ideologias e tradições nacionais, recursos necessários ao controle da sociedade pelo Estado. Ao abordar esses problemas, Hobsbawm contribuiu para melhor defini-los, além de lançar luzes sobre as dinâmicas e mediações sócio-culturais envolvidas. Não surpreende, portanto, que sua obra (e a dos colegas da História Social inglesa) seja lida com tanto interesse pelos sociólogos, antropólogos e politólogos (MARTINS, 2010). 
Sobre a preferência de Hobsbawm pelo tema campesinato, por exemplo, o autor demonstrou o quanto a crítica esquerda ao seu trabalho estava equivocada ao julgar as massas camponesas como sendo reacionárias e conservadoras como regra geral. O tema de Hobsbawm foi mal visto, exatamente pelo fato de que o próprio Marx via o segmento campesino como arcaico se comparado à classe operária. Martins mostra que Hobsbawm rebate essa ideia e demonstra que a resistência dos camponeses fora, no entanto, bastante ativa e que, inclusive, “alimentaram expectativas de construção de uma ‘nova sociedade’” (MARTINS, 2010, p. 77). 

Hobsbawm tampouco desampara os trabalhadores das atividades industriais em seus estudos. Em um trabalho publicado no primeiro número da revista Past and Present, anteriormente citada, o historiador britânico defende um movimento de revolta denominado “quebra de máquinas” e, ao contrário do que era defendido, afirma terem sido movimentos pensados e não “explosões espontâneas da ira de trabalhadores incapazes de entender, racionalmente, a realidade de sua época” (MARTINS, 2010, p. 79). O autor explica que Hobsbawm importantemente colocou os operários como negociadores de uma fase árdua de substituição da mão de obra por máquinas, que criavam desemprego e degradação das condições de vida dos trabalhadores. As negociações foram a conquista destes eventos anteriormente considerados arruaceiros. 

Em seu artigo Os destruidores de máquinas, Hobsbawm esclarece esta questão. Explica que a quebra de máquinas não era uma arruaça irracional, de revolta contra as máquinas simplesmente. O movimento era organizado e, como colocou Martins, tinha seus propósitos. Era útil “quando tinha que ser feita pressão sobre os patrões”, mas uma pressão imediata, com resoluções imediatas e não para pressioná-los constantemente. Como exemplo, esses movimentos repentinos de revolta eram aplicados quando havia súbita baixa nos salários e outras medidas altamente prejudiciais aos empregados. Além disso, com a pressão sobre os empregadores, garantiam a solidariedade dos demais trabalhadores, que consiste “o fundamento do sindicalismo eficaz”.  Esse método funcionava ainda mais eficazmente nas pequenas propriedades, onde qualquer destruição material significava grande perda ao empregador (HOBSBAWM, 1981, p.19). 

Além disso, Hobsbawm defende que até o fim do século XIX, a classe operária não era um grupo sólido, definido. Era um aglutinado de “pequenos mundos”, como denomina Martins, grupos de “mineiros, tecelãos, sapateiros, alfaiates, marinheiros, etc. Não havia uma classe operária nacional (...) aglutinada por meio da consciência de um destino comum pela combinação de fatores econômicos, políticos, sociais e culturais” (MARTINS, 2010, p.80), como aconteceu mais tarde, nos anos 1880/90, quando operaram a ruptura com a época do cartismo. Ainda defende que a formação da classe operária dá mérito ao trabalhador (que entendeu as mudanças que afetaram o seu cotidiano) e não somente aos sindicatos.


Hobsbawm no Brasil

Como descrito anteriormente, Eric Hobsbawm iniciou suas produções bibliográficas na década de 1950. No entanto, é só a partir da década de 1970 que o Brasil volta os olhos para o historiador. Dentre as 23 obras publicadas aqui, estão Bandidos (1975); Mundos do trabalho (1987); História do marxismo (com 12 volumes, de 1979); Ecos da Marselhesa (1996); A Era das Revoluções, do Capital, dos Impérios e dos Extremos (de 1979 a 1994); Globalização, Democracia e Terrorismo (2007); Como mudar o mundo (2011) e outras.

Hobsbawm no tempo presente

Pensar em um historiador da qualidade de Hobsbawm e lê-lo tornava-se mais prazeroso ainda quando recordado o fato de tê-lo ainda conosco, vivo. A perda desse homem ímpar, neste dia de hoje, tira a esperança de muitos jovens historiadores, como eu, de um dia poder vê-lo discursar, ensinar, transmitir conhecimento pessoalmente. Ao escrever este trabalho há alguns meses, falava desta possibilidade que estava se esvaindo, com o passar dos anos de vida deste lúcido ancião, e de sua importante opinião, frequentemente requisitada por jornalistas a cada novo acontecimento da História.

O historiador naturalizado britânico tornou-se especialmente cotado para opinar sobre acontecimentos do tempo presente. Lúcido, ativo academicamente e experiente, Eric J. Hobsbawm ainda participava de entrevistas, publicava produtivas obras e comparecia em eventos, reuniões e encontros .
Entre historiadores, é conhecido o péssimo hábito jornalístico de demandar previsões dos estudiosos da História. Martins esclarece a visão de Hobsbawm sobre o tema: “profecias mal atravessam horizontes estreitos. (...) não é papel do historiador bancar o visionário ou a pitonisa”. Entretanto, entende que o historiador tem a sua contribuição para o debate público:
Desde que construa diagnóstico cuidadoso, a salvo das euforias e iras momentâneas, moldado na abordagem da longa duração, que possibilite identificar: 1) os problemas agudos que o mundo vem enfrentando; 2) as soluções tentadas e que fracassaram; e 3) as alternativas de ação e organização que quedaram vencidas na trajetória da história (MARTINS, 2010 p. 83). 
A exemplo, analisemos sua perspectiva sobre a posição hegemônica dos Estados Unidos. Anos atrás, comentava-se sobre a possibilidade de a China ultrapassar os Estados Unidos em questão de dominação política. Hobsbawm, em entrevista à Folha de São Paulo revelara que não acreditava que o mundo fosse dominado por uma só potência, seja qual fosse o detentor deste domínio. Seu prognóstico baseava-se n forma que os Impérios foram guiados ao longo da história. O Império Romano, segundo ele, não reinava sozinho, dividia poder com os persas e os chineses. O Império Britânico preocupava-se com suas demandas e não com uma dominação global (MARTINS, 2010, p 85). Segundo Martins, Hobsbawm defende que a China tem consciência do seu poder, mas não aspiram ao poder expansionista e a imposição de seu modo de vida. Quanto aos Estados Unidos – e a sua expansão territorial baseada na excepcionalidade do seu povo e à missão que acreditavam ter diretamente de Deus, o Destino Manifesto –, Hobsbawm defende que sem o seu domínio militar extraordinário e a aprovação e consenso dos países que ocupa, os Estados Unidos não teriam o poder que detêm atualmente. É sobre esta nação e o significado deste poder no novo milênio que se trata o próximo tópico. 

Hobsbawm e os Estados Unidos da América no novo milênio
Onze de Setembro de 2001: nos Estados Unidos, aviões sequestrados atingem e derrubam as Torres Gêmeas (World Trade Center), símbolo do comércio nova-iorquino e do sucesso do capitalismo estadunidense. O ataque causou cerca de três mil mortes e outros milhares feridos. A catástrofe foi transmitida quase inteiramente em tempo real por canais de televisão em grande parte do mundo. As imagens chocaram a população mundial e o ataque, alegadamente causado pela rede terrorista Al-Qaeda, despertou uma onda de conflitos entre Estados Unidos e países do Oriente Médio, com o propósito de aniquilar as ameaças terroristas. Desde então, os Estados Unidos mantém suas tropas no Oriente Médio. Parte desses serviços militares é terceirizada, constituindo centenas de empresas que hoje fornecem apoio bélico e estratégico aos EUA em suas ocupações. O país dispensa grande parte do seu orçamento ao setor militar e é a partir deste contexto que foi escolhido o tema de pesquisa do mestrado (Intensificação da privatização das forças militares dos Estados Unidos a partir de 2001). Hobsbawm nos auxilia na compreensão deste contexto, quando trata da situação estadunidense desde o fim da Guerra Fria até os dias atuais.
Após o fim na União Soviética, em 1989, a bipolaridade política que estremeceu o mundo, durante décadas de ameaça nuclear, tinha dado lugar a um mundo gerido por apenas uma grande potência: os Estados Unidos. Nenhum outro país tinha a capacidade ou sentia a necessidade de ocupar este lugar, como explica Hobsbawm em A Era dos Extremos:
A Rússia fora reduzida ao tamanho que tinha no século XII. (...) A Grã-Bretanha e França gozavam apenas de um status puramente regional, o que não era ocultado pela posse de armas nucleares. A Alemanha e o Japão eram sem dúvida “grandes potências” econômicas, mas nenhum dos dois sentira a necessidade de apoiar seus enormes recursos econômicos na forma militar, na forma tradicional, mesmo quando tiveram liberdade para fazê-lo (...) (HOBSBAWM, 1995, p.538). 
A aparente sugestão de uma época de paz, tão esperada, deu lugar a operações militares quase incontroláveis na Europa, Ásia, África e em partes do Pacífico.  É o que Hobsbawm explica em seu capítulo Sobre o fim dos impérios na obra Globalização, Democracia e Terrorismo e também em Rumo ao Milênio, na Era dos Extremos. Embora não fossem classificadas como “guerras” internacionais ou civis, na concepção clássica, os habitantes de lugares como Oriente Médio, Angola, Libéria, entre outros, dificilmente sentiam-se em tempos de paz. Por isso, para o historiador, a guerra não desaparecera, apenas mudara.  
Outra forte característica do fim do século passado, destacada por Hobsbawm e importante para a discussão do tema do tempo presente, é a “democratização ou privatização dos meios de destruição, que transformou a perspectiva da violência e depredação em qualquer parte do globo”. Hobsbawm destaca esta última parte da frase, por um motivo interessante: até então, os Estados Unidos não tinham sido vítimas em seu território nacional de grandes tragédias bélicas. O fim do século XX se iniciam as tentativas de ataque aos Estados Unidos e ao World Trade Center.  Os ataques ao World Trade Center e ao Pentágono, como já mencionado, chocaram o mundo e possibilitaram aos Estados Unidos o desenrolar de uma forma de dominação bélica em nome da manutenção da paz e responsabilidade de declarar “guerra ao terror”. Hobsbawm alertou que era preciso “resistir à retórica do medo irracional com a qual os governos do presidente Bush e do primeiro-ministro Blair buscam justificar uma política imperial para o mundo”. Explica que, proporcionalmente, esses grupos terroristas afetam de forma mínima no risco de vida do ponto de vista estatístico e que “a menos que esses grupos ganhassem acesso a armar nucleares (...) o terrorismo pede cabeça fria e não histeria” (HOBSBAWM, 2007, p. 46).
A busca pelo fim do “terror” e a interminável guerra contra o “mal” custou aos Estados Unidos um orçamento injustificável aos olhos dos cidadãos estadunidenses. O atual presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, contou com o apoio dos eleitores sob a promessa de retirar as tropas do Iraque e reduzir drasticamente os custos militares. A crise econômica de 2008 que se estende até os dias atuais é outro fator que provoca impaciência e intolerância nos estadunidenses. Em entrevista à Folha de São Paulo, antes mesmo da crise econômica, em 2007, Hobsbawm já alertava a fragilidade da situação. Defendia que o império dos Estados Unidos não continuaria reinando por algumas razões, mas principalmente por questões internas, que “a maior parte dos americanos não quer saber de imperialismo e sim da sua economia interna” que se demonstrava frágil, e que os planos de dominação teriam que ceder às preocupações econômicas (MARTINS, 2010, p. 85). 
O que não estava claro, no entanto, no início do milênio, eram as possibilidades que o governo dos Estados Unidos havia vislumbrado com os ataques terroristas e a suposta “guerra ao terror”. Em uma entrevista ao Estadão, em setembro do ano passado, Hobsbawm deixa claro que os EUA tinham visto ali uma grande oportunidade de “espalhar e reforçar bases militares americanas” e territórios considerados estratégicos e que a guerra do Iraque nada tinha a ver com a Al-Qaeda. 
Na mesma entrevista, Hobsbawm indica que os Estados Unidos estão se guiando para uma inevitável queda do império, nessa busca já sem muito sucesso pela hegemonia:
As guerras dos últimos dez anos demonstram como vem falhando a tentativa norte-americana de consolidar sua solitária hegemonia mundial. Isso porque o mundo hoje é politicamente pluralista, e não monopolista . 


Concluo com uma citação da entrevista, onde Hobsbawm deixa uma mensagem aos jovens historiadores de hoje, que iniciam sua trajetória acadêmica: 
Hoje pesquisar e escrever a história são atividades fundamentais, e a missão mais importante dos historiadores é combater mitos ideológicos, boa parte deles de feitio nacionalista e religioso. Combater mitos para substituí-los justamente por história, com o apoio e o estímulo de muitos governos, inclusive.

quinta-feira, 2 de junho de 2011

O retrato da marcha da liberdade por Felipe Floresti

Felipe, com licença?! Preciso compartilhar seu texto. Porque foi assim que me senti com a falta do noticiário. Porque foi assim que me senti com os pre-julgamentos quando eu disse que fui à Marcha... Porque é assim que a gente se sente vendo tanta desinformação.



Texto de Felipe Floresti sobre a Marcha da Liberdade.
Minha mãe me ligou preocupada na última sexta-feira.
_ Você vai participar de uma passeata amanhã?
_ Vou mãe!
_Aí Fê. Toma cuidado lá. Tem polícia. Sempre tem briga.
_Mãe, se tiver alguma briga, é a polícia que causa. O clima e o objetivo são outros.
O mundo mudou, mãe. Pelo menos uma parte dele. Teve uma época, que eu vi em filmes, em que as pessoas pegavam em armas para lutar contra um inimigo concreto. Ele tinha nome, sobrenome e patente. Concordando ou não, todos sabiam quem era. Era mal e violento. Para lutar com ele, foi preciso pegar em armas.

Esse se foi. Não houve a queda marcante que todos queriam, mas uma transição tranquila e segura (para eles). Depois disso, lembro de jovens contra a globalização, atacando fóruns econômicos mundiais, contra a privatização. Lembro do pequeno Felipinho sentado no sofá, ao lado de meu pai, vendo os mesmos apresentadores de hoje (ou era o Cid Moreira? Será? Sou véi assim?), e ouvindo papai dizer: “Se perguntar, aposto que eles nem sabem por que estão lá”. Eu achei graça, mas tenho certeza hoje que eles sabiam. Eu entendo e compartilho de suas ideias. Mas a violência de coquetel molotov, faces cobertas, brigas, não teve resultado. Está tudo privatizado, globalizado, definido, é o “fim da história” de Fukuyama.

Bom, agora sei que quem não entendia era

 meu pai. Não por culpa dele (pai, te amo). A TV não mostrou as razões de ninguém que estava lá, da mesma forma que não mostrou no grande comício de Diretas Já que transformou em celebração do aniversário da cidade. Nem os jornais, nem a Veja, a revista inacreditavelmente mais lida do País. É menos claro quem é o inimigo desta vez. Inimigo acobertado por quem tem o interesse em acobertar. Papai não tinha internet. Blogs? Midia alternativa? Isso não existia. Houve uma época em que o Marcelo Tas era exemplo de jornalismo confrontador. Não que todo mundo precise concordar com quem está lá, ou diz o que quer que seja. É direito de cada um ser neoliberal, anarquista, pedófilo… “Opa, pedófilo não”. Mas tem que pelo menos saber do que se trata.
O tempo passou. O mundo está diferente. A tecnologia ajudou um bocado na vida da gente. Antes, quem podia me contar o que se passava na Espanha se eu não conhecesse ninguém de lá? Eu sei, vejo relatos do que eles passam nas praças Puerto del Sol ou da Catalunya, vi o mapa da praça, sei como e quem comemorou o título do Barça e como fugiram da violência da polícia (lá como cá…). Mas como era a vida do pessoal que gostava de viver na Alemanha Oriental? Existia esse tipo de gente? Imagino que sim, mas esses personagens estão fora do imaginário coletivo. “A revolução não será televisionada”.

Acabada a “Marcha pela Liberdade”, chegando em casa, fui procurar na internet a repercussão do que ocorreu. Os dois skinpunkanarquistaracistawhitepowergayouocaralhoderotuloquereceberam que chutaram o furgão da Globo eram os destaques. Quando não eram, a “Marcha dos dois mil maconheiros que querem fumar maconha sem apanhar da polícia” era notícia. Pô pessoal, desse jeito minha mãe acha que sou maconheiro e saio mijando no carro de rede de TV. Até amigos meus, jovens, inteligentes e instruídos, lançaram um “Aê maconheiro” quando disse onde passei minha gloriosa tarde de sábado, ao invés de ver meu lindo Barça vencer mais uma Champions League com show do Messi vermelhinho. Olha o imaginário coletivo aí gente.

Informação alternativa só atinge quem se interessa por informação alternativa. “É né. Então aquele blog fulero fala a verdade e a Globo mente?”. Hum, vamos ver. Não necessariamente né! Não existe muito verdades absolutas. Existem pontos de vista. Ou melhor, pontos de referência. Sabe? Aquilo que a gente aprende na aula de física. Ponto material, e os caralho? Então, a visão das coisas é diferente de onde se olha. Às vezes acabam complementando a informação, às vezes atrapalham o que se quer ver. A imprensa tradicional com certeza não estava na “Marcha”. Podia estar em volta, vendo de perto, mas não estava lá. Não sentiu a vibe. Via de fora. Não estava dentro. Eu estava. O pessoal abaixo também.

Tá certo que uma boa parte estava querendo a legalização da maconha. Era uma das demandas mais ouvidas por lá. Era bandeira do Bob pra cá, legalize pra lá. “Ei polícia, pamonha é uma delícia”. Também teve violência. Água e ovo voaram pela janela em alvos aleatórios pela rua. Quando a multidão cruzava a esquina da Av. Paulista com a Consolação, foi a vez de bexigas coloridas tomarem os céus levando ainda mais cor e alegria à marcha. Ao mesmo tempo, provavelmente de algum apartamento abaixo, voaram punhados de gesso mole (devia ser isso) que acertaram um rapaz ao meu lado e uma mulher ali perto, entre outros.

A diferença é que ao lado da maconha, uma dragqueen fazia uma prévia da Parada Gay, e outros defendiam a união homoafetiva. Ao lado, um casal punk com a jaqueta de couro toda incrementada. Pessoas a favor do aborto dividiam as ruas com os querem que o novo código florestal seja vetado. Outros mais focados no que ocorre na Espanha e pensam em democracia real e querem uma mudança no modelo econômico que vivemos hoje. Alguns eram tudo isso junto. Todos ao som de um grupo de maracatu, saltando sem parar, pois “quem não pula quer censura”, felizes, carregando flores, defendendo sua causa e aprendendo com a do outro. “Em casa somos um, juntos somos todos”. Logo a mulher do gesso já pulava mais empolgada que nunca.

E quem jogou coisas da janela? Jogou por não entender o que se passa. Jogou por não estar na rua. Por não poder compartilhar da beleza daquela tarde. Tirassem o pijama, desligassem a televisão e descessem alguns lances de escada, estariam pulando junto com os outros. Era a marcha da liberdade. Liberdade de defender o que bem entendesse, mas focados em um objetivo maior: Ser livre.

Se, como já dizia aquele barbudo: “Tudo que é sólido se desmancha no ar”, quem sabe, então, esse conceito tão intangível não se concretize em cada um e na sociedade? Quem sabe não possa ocupar espaço no imaginário coletivo? Modelos alternativos de mundo, sociedade e economia foram pensados, mas a prática deixou a liberdade muito longe das pessoas. O mundo atual finge que o ser humano é livre, quando poucos conseguem ser. Poucos sabem o que é isso.

Eu não acredito que um momento, um dia, vai entrar para a história como o que mudou o mundo. Sem turning points. Os acampamentos na Espanha começaram dia 15 de maio e duram até hoje, se espalhando para Atenas, Paris, Bruxelas. Não sei até quando eles vão durar. A “Marcha da Liberdade” aconteceu no último dia 28 e se dissipou assim que botamos os pés na Praça da República. Nenhuma mudança concreta foi vista. Começamos a semana tendo que trabalhar, ou buscar emprego, da mesma forma que a anterior. Mas algo aconteceu. Como disse Eduardo Galeano, é a injeção de vitamina E, E de Entusiasmo. A vibe de acreditar que podemos fazer do mundo um lugar melhor para todos seus habitantes. Acredito que quem lá esteve conseguiu sentir a energia, da mesma forma que não espero que quem não foi a entenda.

Mas da próxima vez, antes de taxar qualquer um de maconheiro, briguento, punk, zé rosca ou qualquer outra coisa, antes de jogar ovo, água, gesso ou o que for, dê um pulinho ali. São apenas algumas horas em sua vida. Provavelmente, quando você chegar a sua casa, o mundo vai continuar o mesmo. Mas uma coisa eu te garanto, você não vai. Quem não pula quer mais do mesmo. Você vai mudar. “A gente muda o mundo na mudança da mente”. É assim a revolução de cada um. É essa a revolução do mundo. #worldrevolution.

(por Felipe Floresti)


quarta-feira, 1 de junho de 2011

Calma aí, calma aí, calma aí!

Como diria o nosso hilário amigo que causou um acidente embriagado ali: "Calma aí!". 

Então, quer dizer que os saudosos homens públicos da nossa cidade canção deram pra fazer o que bem entendem, e como bem desejam? 

O que é isso? 

Acabo de ler uma notícia no O Diário em voz alta para o meu namorado, que está a poucos metros de distância de mim. Leio, omitindo o endereço e nome do bar propositalmente, e no fim da reportagem pergunto: Rafa, adivinha onde aconteceu isso? Sua imediata resposta foi: São Paulo? 

Onde mais aconteceria uma atrocidade destas? Para os que não acompanharam a recente notícia que tive acesso no mega-veloz-canal-de-comunicação-superconfiável-Facebook, segue a notícia d'O Diário abaixo:

Uma abordagem da PM deixou os clientes do bar Quintal, na Avenida JK, assustados na noite de ontem.  Conta uma colega de trabalho que quatro viaturas chegaram ao local às 20 horas, com direito a pistolas e até submetralhadora em punho, gritando com  os clientes. O objetivo era fechar o bar, que estaria sem alvará. O fechamento não se concretizou, porque a papelada — uma liminar — já estava nas mãos do proprietário.
O que sempre chamou a atenção foi a truculência da polícia, desproporcional.
As mulheres que estavam no estabelecimento foram colocadas contra a parede e revistadas por uma policial. “Uma PM baixinha chutou o meu pé e disse que era para eu abrir as pernas. Comecei a chorar”, disse a colega. “Uma amiga reclamou da violência e foi agarrada pelos cabelos. Não precisava daquilo”.

Os comentários revoltosos no início da lista que segue a notícia são típicas reações não-recentes de cidadãos maringaenses já temerosos com a ação policial na cidade. Não é de hoje que o poder público reprime e censura, com pífea justificativa, momentos de lazer, principalmente dos universitários (exclusivamente da UEM, na área universitária).

Em seguida, na lista de comentários, surgem comentários raivosos e violentos, em defesa do serviço policial de agressão e descortesia. Em resposta a um deles eu repondo: Não, não quero que o policial me peça licença e me estenda um sorriso antes da revista. Eu quero, sim, que a polícia entre no estabelecimento, em alto e bom tom (sem agressividade) peça para que os clientes se retirem, pois o bar irá fechar por problemas judiciais.

Ao invés disso, os policiais encostam os presentes em uma parede, como relata uma testemunha, uma policial chuta o pé de uma cliente, ordenando-lhe que abra as pernas e puxa o cabelo de outra que está chorando de medo.

Eu posso estar enganada, cometendo um grande equívoco, postando algo que li somente em uma fonte há cerca de 5 minutos, e peço que desconsiderem meu desabafo se me excedo.

No entanto, não é de hoje (sim, me repito) que o poder público está tratando desta forma sua população. Os estudantes da Universidade Estadual de Maringá vem sofrendo similar repressão nos arredores da UEM. Revistas, bloqueios, confrontos, agressividade.

Há poucos meses, quando ainda morava na cidade, ouvi gritos desesperados de socorro que clamavam por polícia. Minha rua era calma e já morava lá há pelo menos um ano, sem que nunca tivesse ocorrido nada parecido. Por azar, era o dia de folga do segurança coletivo. Imediatamente, tremendo de medo, tranquei as portas e janelas, enquanto meu namorado ligava para a polícia. Liguei para o meu irmão para que não voltasse pra casa naquele momento e me tranquei no quarto temerosa. Cerca de dez minutos depois, quando tudo já estava silenciado, saí do quarto e vi a luz do giroflex vermelho na minha janela. Eu e meu namorado saímos de casa e, como numa boa cidade interiorana, toda a vizinhança estava à beira de seus portões, observando a conversa dos policiais com os moradores da casa. Eles gritavam com os moradores, chamavam-lhes a atenção, afinal os engraçadões tinham feito aquele alarme todo brigando com um vizinho nosso! A policial virou para toda a vizinhança e gritou: viu só? satisfeita? está vendo o circo que você armou na rua? trezentas ligações para a polícia de um alarme falso! A GENTE TEM MAIS O QUE FAZER, PORRA! 

Eu sei que o caso não ilustra exatamente o motivo do post, e a oficial estava certa até certo ponto, mas permitam que eu me explique: a impressão que dá é que a polícia acha que está num filme estadunidense, daqueles bem podrões, de "domingo maior", onde pode sair soltando xingões, chavões e clichês. 

Claro que esse desvio foi uma brincadeira... o ponto é claro e só falta mesmo a mobilização (que já começa a se levantar, pouco a pouco). O poder público de Maringá funciona a (des)serviço de uma elite conservadora e antiquada. Pois bem, quando é que a polícia invadiu bares burgos como o Sweet Pepper ou o Lava-carros*, por exemplo, pra revistar os mauricinhos e patricinhas que vendem cocaína e outras drogas em plena noitada?

*Esses bares são fictícios e qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. 

Até hoje não levantei a bandeira dos universitários "beberrões", "baderneiros" e "drogados" (como já nomeados pelos conservadores preconceituosos), mas essa notícia foi o limite - e eu sei que aí o universitário não é a vítima. Mas eu sei quem é o vilão.

Trata-se somente de levantarmos nossas vozes e impedir que a nossa cidade se transforme no absurdo de repressão que São Paulo tem vivido, por preconceito, ineficiência pública e conservadorismo barato.

Ei, eu estou falando com você, que me crucificou, sem eu ter feito nada! 

*eu vou me explicar, antes que um comentário ridículo apareça em reação ao ilustríssimo "acidente embriagado" - se beber, não dirija!

domingo, 29 de maio de 2011

Para o fim da Liberdade de Repressão.

São Paulo e outras partes do mundo tem vivido um pesadelo no que diz respeito à liberdade de expressão. Na semana passada, algumas centenas de defensores da legalização da maconha participaram de uma tentativa de protesto que teria início no vão do MASP (Museu de Arte de São Paulo, na Avenida Paulista). O protesto foi proibido pela justiça e na tentativa de negociação com os PMs, os organizadores conseguiram permissão contanto que não houvesse nenhuma menção à droga e ao crime.

Todas as palavras que tinham qualquer relação com maconha foram cobertas com faixas pretas e os manifestantes cobriram também suas bocas e iniciaram a marcha. A negociação foi infringida, claro, e os manifestantes iniciaram gritos como "Polícia sem-vergonha, o seu filho também fuma maconha" - "Ei, polícia, maconha é uma delícia" - "Dilma Ruseff, libera o nosso beck".

A partir desse momento a tropa de choque foi ativada e diversos manifestantes sofreram agressões e 6 foram presos.

O video que saiu da Folha que mostra a agressão policial no dia 21 de Maio não é só revoltante, ele PEDE reação.

E foi exatamente o que ocorreu ontem, 28 de maio, com início no vão do MASP e fim no centro da cidade de São Paulo: Pessoas de todas as tribos, com diversas bandeiras foram protestar o CALE-SE que os manifestantes sofreram na última semana.

A questão já não era mais a legalização da droga somente, era em favor do vegetarianismo, da redução ou erradicação da tarifa do transporte público, do uso de bicicletas no trânsito de São Paulo, contra a agressão policial, da liberdade e respeito ao homoafetivo, aborto, enfim, foram 35 entidades levantando suas bandeiras.

Jovens, senhoras, senhores, bebês, cachorros, papagaios, siris e aves de todas as cores estavam lá para defender o uso do rosa, do amarelo, do azul, do preto e do branco, o uso da roupa íntima, o seu não-uso, o uso do espaço e do tempo, defender o uso da boca, dos olhos e dos ouvidos. Defender o uso do corpo, da mente e do coração sem que ninguém interferisse em mais nada, quando não houvesse uma agressão à liberdade do próximo.

A harmonia das flores mostrou a única arma que pode ser usada pra contrapor um mundo entupido de sangue e ódio. O gesto da jovem que tentava entregar flores aos oficiais mostrou não há vingança e rancor no futuro desejado. Os oficiais que aceitavam as flores mostravam que também estavam presos na cinzenta caixa de repressão e sufoco.

Quando eu fui em direção ao vão do MASP ontem, meu corpo demonstrava minha fragilidade e meu medo. Quando eu tive que ultrapassar o cordão de policiais para entrar na manifestação meus olhos se voltaram para o chão num movimento instintivo de receio à repressão. O corpo, que podia sofrer as piores consequências, mostrava-me de todas as formas que eu deveria estar em casa, assistindo tudo aquilo pela televisão ou pela tela do meu computador, embaixo das cobertas, naquela que viria a ser a noite mais fria de São Paulo em todo o ano.

Mas não era o que o coração e o espírito de indignação diziam. Quando eu finalmente ultrapassei a barreira de policiais e me deixei envolver pelas centenas de manifestantes e bandeiras, pelo som arrepiador das baterias, e pelos sorrisos dos voluntários que distribuíam as flores, pude sentir coragem e vitória. Éramos muitos. Éramos tudo que precisávamos ser. Éramos juntos.

A Marcha da Liberdade foi um grito contra o sufoco de todos. Contra o sufoco de qualquer um que indigna-se com qualquer coisa. Somos cidadãos que contribuem para um Estado que insiste em não responder e em corromper.

Mas ontem mostramos que estamos aqui. E vamos sair às ruas, se preciso. Porque paciência tem limite e esse descaso logo há de rompê-lo.


O outro video que segue abaixo é de um defensor da legalização da maconha, que procura resumir o ocorrido em São Paulo nos últimos dias.


quinta-feira, 12 de maio de 2011

Dançando conforme a música

O rebuliço da criação da Liga das Nações no Senado dos Estados Unidos em 1919. 

"Wilson’s commitment to a world in which democracy could flourish was by itself revolutionary. Equally evolutionary was the second component of his vision—the belief that the key to creating that world lay in extending the reach of international law and building international institutions. The former college president—who ironically during his first term had enthusiastically used American military power to enforce the Roosevelt corollary to the Monroe Doctrine—called on the victorious powers to craft an international agreement that would provide “mutual guarantees of political independence and territorial integrity to great and small states alike.” He went to the Paris Peace Conference in December 1918 to push his idea on deeply skeptical European leaders.

"He was ultimately forced to compromise on many of the particulars of his plan. Nevertheless, in the end he prevailed on the core point. The Treaty of Versailles, signed in July 1919, established a League of Nations that would “respect and preserve as against external aggression the territorial integrity and existing political independence of all.” Wilson returned to the United States convinced that the idea of collective security—“one for all and all for one”—would prevent war and remake world politics. The idea of the League of Nations was also revolutionary for American politics. Wilson was asking Americans to do more than just cast away their aversion to entangling alliances. The United States, after all, had fought World War I as an “associated” power and not an “allied” one in deference to the traditional reluctance to become tied militarily to other countries. He was asking them to spearhead an international organization that would seek to protect the security of its members, however far they might be from American shores. That would prove the rub.

"The Senate’s rejection of the Treaty of Versailles is usually recounted as a triumph of traditional solationism. Isolationists certainly were the treaty’s most vociferous critics. The “irreconcilables” and “bitterenders,” as they were called, were led by Republican Senator William E. Borah of Idaho, a man who had a reputation as an expert on world affairs despite never having left American soil. The irreconcilables were traditional isolationists who vehemently opposed entangling the country in foreign alliances. Borah insisted that if he had his way the League of Nations would be “20,000 leagues under the sea” and he wanted “this treacherous and treasonable scheme” to be “buried in hell.” Even “if the Savior of men would revisit the earth and declare for a League of Nations,” he declared, “I would be opposed to it.”"


A rejeição do Senado à Liga é famosa entre os isolacionaistas. O então Senador William E. Borah e seus companheiros "irreconsiliáveis" se opuseram raivosamente ao tratado.  Eles se opunham ao fato que Wilson queria empreender o mundo. Não queriam que os EUA atassem seu destino ao capricho e aos interesses alheios. 

“Are you willing to put your soldiers and your sailors at the disposition of other nations?” 
Senador Republicano
Henry Cabot Lodge de Massachusetts


The victory of the anti-treaty forces heralded for a time the continuation of the policy of the free hand that Lodge and others so loved. By the beginning of the 1930s, however, this unilateral internationalism began giving way to rising isolationist sentiment. As the country entered the Great Depression and war clouds gathered on the European horizon, Americans increasingly retreated to Fortress America. Some isolationists argued that war would not occur. In July 1939 Senator Borah confidently predicted, “We are not going to have a war. Germany isn’t ready for it. I have my own sources of information.”



Com o fim da guerra, os Estados Unidos dominaram o mundo como ninguém havia dominado antes. As potências mundiais estavam destruídas. Tinha, de longe, as mais potentes força aérea e naval. Além do mistério do maior temor do mundo em suas mãos: a promessa da bomba atômica. 


Ter o mundo ao pés da América, em forma de "Liga das Nações"? Hum... Talvez seja uma boa ideia. 



Trechos extraídos de "America Unbound de Daalder & Lindsay, 2003, p. 6-7
(Fotos do então presidente dos Estados Unidos e do Senador, respectivamente)

quinta-feira, 3 de março de 2011

As culpas do destino e o ponto final de Bloch.

Dedico esse post à Regulamentação da profissão do Historiador.


" Nada como reproduzir a nota humilde, deixada por Bloch em um pé de página: "Talvez não seja inútil acrescentar ainda uma palavra de desculpas; as circunstâncias de minha vida atual, a impossibilidade em que me encontro de ter acesso a uma biblioteca, a perda de meus próprios livros fazem com que deva me fiar bastante em minhas notas e em minha memória. As leituras complementares, as verificações exigidas pelas próprias leis do ofício cujas práticas me proponho a descrever permanecem para mim frequentemente proibidas. Será que um dia poderei preencher essas lacunas? Nunca inteiramente, receio. Só posso, sobre isso, solicitar a indulgência, diria assumir a culpa, se isso não fosse assumir, mais do que seria legítimo, as culpas do destino."
" o destino não quis, e a culpa de Bloch é antes a culpa de cada um de nós. O final abrupto do livro, surge quase como um constrangedor silêncio. Mais do que a falta de notas e referências — que antes sinalizam a extrema erudição do historiador -, fica a ausência gritante de um ponto final. Dizia Bloch: "causas não são postuladas, são buscadas" e assim o texto se cala, por mais que o leitor, angustiado com esse término inesperado, tente ler nas entrelinhas ou em algum outro sinal que ficou sem querer ficar. "Causas não devem ser postuladas" assim como não se explicam a violência da guerra e os radicalismos cometidos em nome dela".
Marc Bloch foi preso por participar da Resistência Francesa à invasão alemã. Foi fuzilado pelos nazistas e não completou seu livro "O Ofício do Historiador". O livro foi publicado por Febvre, com quem conviveu intensamente.

Li um ou outro capítulo na graduação do livro que também leva o título "Apologia da História" , mas inicio na íntegra a leitura do livro agora para a Seleção de Mestrado da USP.

Parabéns Historiadores, pela regulamentação da nossa profissão! Mais uma luta vencida!


BLOCH, M. Apresentação à edição brasileira, Por uma historiografia da reflexão In.: Apologia da História. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Repressão em nome da conveniência.

Antes tarde do que nunca, já diz o velho chavão.

Iniciei há pouco tempo a leitura do famigerado "Revolução dos Bichos" de George Orwell. Logo pretendo escrever algo mais completo sobre a obra, no entanto, chamou-me muito a atenção o trecho reproduzido logo abaixo.

A obra traz muita angústia, agonia e inconformação. Orwell faz uma crítica aos modelos ditatoriais, repressores, totalitários. Fica claro, porém, que a crítica é direta ao modelo stalinista pós-revolução russa de 1917. E é com essa analogia que pretendo trabalhar dentro de alguns dias, após a leitura do livro.

Antes, gostaria de expor aqui o sentimento de atemporalidade que a obra traz. Mesmo sabendo que o livro traz uma crítca àquele tempo, fica latente a possibilidade de adequação ao nosso e qualquer outro contexto de letargia e paralisia em frente às barbaridades das quais nos submetemos frente à política brasileira e externa.

Ao ler a obra de Orwell, um sentimento de incredulidade permanece constante e dolorido frente ao conformismo dos animais perante às artimanhas do líder Napoleão. A aceitação e submissão dos animais nos traz o pré-julgamento de estupidez e maleabilidade. O que é preciso refletir aqui é: estamos tão longe da realidade dos "Bichos" do sistema "Animalismo"? Ou somos o Sansão da nossa história (cujo lema é "Napoleão tem sempre razão" e "a solução que vejo é 'trabalhar sempre mais'")?. Ou então preferimos assumir a função do burro Benjamin - sempre calado e reflexivo, que dá a impressão de sábio, no entanto não age, não muda, não transforma, prefere permanecer inerte à sua realidade, sabendo que é um ser que vive demais e o esforço não vale o resultado?
Abaixo, sob ilustração de Daniel Kawano, trago um trecho da obra, na qual Napoleão executa inimigos infiltrados no sistema, passagem que nos leva imediatamente ao massacre executado pelo ditador Stálin antes do meio do século XX, quando tem praticamente todos os seus inimigos assassinados.



Ilustração de Daniel Kawano

" Napoleão parou e dirigiu um olhar severo à assistência; depois deu um guincho estridente. Imediatamente os cachorros avançaram, pegando quatro porcos pelas orelhas e arrastando-os a guinchar, de dor e terror, até os pés de Napoleão. As orelhas dos porcos sangraram e o gosto do sangue pareceu enlouquecer os cachorros. Para surpresa de todos, três deles lançaram-se sobre Sansão. Este reagiu com um pataço que pegou um dos cachorros ainda no ar, jogando-o ao solo. O cachorro ganiu pedindo compaixão, e os outros dois fugiram, com o rabo entre as pernas. Sansão olhou para Napoleão para saber se devia liquidar o cachorro ou deixá-lo ir. Napoleão pareceu mudar de idéia e rispidamente ordenou a Sansão que o soltasse, e ele ergueu a pata, deixando ir o cachorro ferido, uivando.

O tumulto amainou. Os quatro porcos esperavam trêmulos, com a culpa desenhada em cada linha do semblante. Então Napoleão concitou-os a confessar seus crimes. Eram os mesmos que haviam protestado quando Napoleão abolira as Reuniões dominicais. Sem mais demora, confessaram ter realizado contatos secretos com Bola-de-Neve desde o dia de sua expulsão e haver colaborado com ele na destruição do moinho de vento; confessaram ainda que também haviam-se comprometido com ele a entregar a Granja dos Bichos a Frederick. Acrescentaram que Bola-deNeve havia admitido, na presença deles, ter sido durante muitos anos agente secreto de Jones. Ao fim da confissão, os cachorros estraçalharam-lhes a garganta e, com voz terrível, Napoleão perguntou se algum outro animal tinha qualquer coisa a confessar.

As três galinhas que haviam liderado a tentativa de reação a respeito dos ovos aproximaram-se e declararam que Bola-de-Neve lhes aparecera em sonho, instigando-as a desobedecerem as ordens de Napoleão. Também foram degoladas. Aí veio um ganso e confessou ter escondido seis espigas de milho durante a colheita do ano anterior, comendo-as depois, à noite. Uma ovelha confessou ter urinado no açude por insistência, disse, de Bola-de-Neve - e duas outras ovelhas confessaram ter assassinado um velho bode, seguidor especialmente devotado de Napoleão, fazendo-o correr em volta de uma fogueira quando ele, coitado, estava com um ataque de asma. Foram mortas ali mesmo. E assim prosseguiu a sessão de confissões e execuções, até haver um montão de cadáveres aos pés de Napoleão e no ar um pesado cheiro da sangue, coisa que não sucedia desde a expulsão de Jones ".