sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Motins de Fome - por E.P. Thompson

Primeira parte do capítulo IV de “Costumes em Comum”, de E.P. Thompson, intitulado “A Economia Moral Inglesa do Século XVIII” sobre motins de fome - Breve resumo por Priscila Borba da Costa..
I
No início do capítulo o autor logo anuncia que tratará dos motins de fome na Inglaterra do século XVIII. A seguir traz a maneira de como foram tratados esses motins pelos historiadores que contribuíram para o nosso conhecimento sobre o assunto. Vários deles, segundo Thompson, tem apoiado a “visão espasmódica” da história popular. Entende-se, por essa visão, que as ações populares aconteciam por estímulo, espasmo. Para ilustrar, Thompson lista alguns historiadores que trataram do assunto. Estes retratam os motins como “desculpas para o crime”, “degeneração”, “desgraça”, “reação instintiva da virilidade à fome”, “rebeliões do estômago”. Thompson explica: “A linha de análise flui assim: elementar – instintivo – fome”.
Retrata que o maior nome da visão espasmódica é Rostow, que explica através do seu “mapa da tensão social” que as perturbações sociais surgiam de uma combinação do desemprego e o aumento dos preços dos alimentos. Trazendo o que Thompson considera uma verdade óbvia: “as pessoas protestam quando estão com fome”.
O autor discorda e chama a visão de Rostow e dos demais de “reducionismo econômico crasso” e explica que o comportamento não pode ser reduzido ao estímulo.
Essa primeira parte do capítulo vai trabalhar esse contexto muito mais complexo do que simplesmente estímulo.
“O motim da fome na Inglaterra no século XVIII era uma forma altamente complexa da ação popular direta, disciplinada e com objetivos claros”. Mais a frente no parágrafo, ele continua: “É certamente verdade que os motins eram provocados pelo aumento dos preços, por maus procedimentos dos comerciantes ou pela fome. Mas essas queixas operavam dentro de um consenso popular a respeito do que eram práticas legítimas e ilegítimas na atividade do mercado, dos moleiros, dos que faziam pão, etc. Isso, por sua vez, tinha como fundamento uma visão consistente tradicional das normas e obrigações sociais, das funções econômicas peculiares a vários grupos na comunidade, as quais, consideradas em conjunto, podemos dizer que constituem a economia moral dos pobres”. Por fim explica: “O desrespeito a esses pressupostos morais (...) era o motivo habitual para a ação direta”. (THOMPSON, 152)

II
Na segunda parte, Thompson fala sobre as leis que regiam o mercado a fim de proteger os pobres dos preços altos dos cereais. Relata que os trabalhadores do século XVIII não viviam somente do pão. Entretanto era a base de sua alimentação. E que, embora muitos comessem pão de centeio, cevada, aveia, pelo menos dois terços da população comia o pão feito de trigo.
A mistura de outros cereais consistia, muitas vezes, em situação de pobreza, solo pouco produtivo ou locais de difícil maturação do trigo.
Além do status atribuído ao pão branco, nas cidades, havia o medo de que pães integrais fossem adulterados e a eles adicionados elementos nocivos. Houve tentativas das autoridades no sentido de impor uma fabricação de pães mais grosseiros, mas havia um preconceito, por assim dizer, em relação aos demais pães. Pensava-se, por exemplo, que aqueles que estavam habituados a comer pão de trigo ao comer pães com misturas de cevada sentiriam indisposição para trabalhar. E quando o governo proibiu, em 1800, a fabricação de pães com qualquer outra farinha a não ser a integral ocorreram manifestações, que levaram à revogação da lei. Um exemplo delas está na página 155, terceira citação:
Um grupo de mulheres [...] foi até o moinho de vento de Gosden, onde, atacando o moleiro por lhes ter fornecido farinha escura, elas se apoderaram do pano com que ele estava peneirando a farinha (...) e cortaram-no em mil pedações; ameaçado fazer o mesmo com todos os utensílios. (THOMPSON, 155)
Em menos de dois meses a lei foi revogada.
Por mais simples que pareça o processo de distribuição dos cereais para a produção do pão, Thompson explica que em cada etapa desse processo surgiam complexidades como, por exemplo, oportunidades de extorsão. É nesse ponto do texto que o autor inicia-se a tratar da supervisão dos mercados.
O mercado deveria ser direto do produtor para o consumidor. O agricultor trazia o produto para o mercado local e a venda tinha que ser realizada em horários determinados, controlados por sinos e os comerciantes mais abastados não poderiam efetuar a compra antes da população mais pobre.
Eram proibidas as compras antecipadas, compras para futura revenda, açambarcamentos (retenção de matéria-prima com o objetivo de provocar elevação nos preços), assim como controladas as ações de vendedores ambulantes, varejistas, vendedores de amostras.
Através de autores de panfletos Thompson relata a ineficiência dessa fiscalização.
O que se vê não é mais do que bazares e barracas que vendem quinquilharias e badulaques [...]. As taxas são quase nulas; e se muitos habitantes ainda lembram que cem, duzentas, talvez trezentas, e, em alguns burgos, quatrocentas cargas de cereais costumavam vir à cidade num dia, agora a grama cresce na praça do mercado.
O século avança, as reclamações não desaparecem e proíbe-se a venda por amostragem, e promete-se punição aos fazendeiros que não direcionarem seus produtos aos mercados abertos.
Com pouca eficácia da fiscalização, novos motins ocorrem e os fazendeiros tomam caminhos alternativos, como reuniões entre eles e negociação dos preços antes de levá-los ao mercado. Os autores de folhetos indignam-se, defendendo que a presença dos fazendeiros no mercado é uma parte material de seu dever e não se deve tolerar que ele esconda ou disponha de suas mercadorias em outro lugar.
O modelo paternalista estava falhando, afastando-se da realidade. Reconheciam isso, mas, como reféns do povo, povo este que adotava partes do modelo como direito e herança, sempre voltavam atrás quando surgia uma emergência. O que parecia até conveniente, pois quando os motins se formavam, abria-se espaço para a pressão na redução dos preços.
A legislação contra as compras antecipadas foi revogada em 1772, a revogação, no entanto, fora mal redigida e em 1795 foram anunciadas novamente como delito.
Thompson declara que tudo isso tinha efeito simbólico para que os pobres sentissem que seus interesses estavam sendo defendidos.
III
Na terceira parte do capítulo, Thompson aborda a Reação ao paternalismo e a regulação do mercado, com a visão de Adam Smith e outros nomes. Coloca A riqueza das nações de Smith como uma
grande estação central para onde convergem muitas linhas de discussão na segunda metade do século XVIII (...) algumas delas (...) especificamente interessadas em demolir a antiga regulamentação paternalista do mercado. Isso significava mais um antimodelo do que um modelo novo. (THOMPSON, 160)
O proposto novo modelo tratava da capacidade de auto-regulação do mercado, defendia que no período de um ano o preço dos cereais se ajustaria por esse mecanismo de auto-regulação. Haveria a possibilidade de estocagem, de modo que os fazendeiros e comerciantes pudessem controlar a venda. E até mesmo quando houvesse elevação dos preços seria interessante para que houvesse um maior racionamento dos produtos, garantindo que nunca houvesse carestia de cereais. A partir dessa visão, a única maneira de entrar em colapso seria a intervenção do Estado e o preconceito popular.
Smith condena a proibição de produzir antecipadamente e estocar. Defende que isso desestimula o aumento de produção e prejudicaria o próprio comércio.
Thompson analisa a visão de Smith como ilusória. Enfatiza que seu objetivo não é refutá-lo, mas desconstrói algumas de suas ideias. Quando Smith defende que haverá um racionamento de cereais quando os preços se elevarem, por exemplo, Thompson discorda.
Defende que, sendo a base da alimentação, o pobre comprará somente o pão e deixará de comprar outros produtos. Ou seja, o consumo de pão será ainda mais elevado. Com o aumento de preço, a população comprará somente carne de baixa qualidade e pão. “Ao lado da água e ar, os cereais eram uma necessidade fundamental da vida, anormalmente sensível a qualquer carência na oferta” (página 163).
Mais a frente Thompson descreve que com o avançar do século os procedimentos do mercado se tornavam ainda menos transparentes, os cereais passavam por uma rede ainda mais complexa de intermediários.
Em setembro e em outubro quando era época de colheita abundante e os preços não eram reduzidos, novos motins ocorriam. Thompson termina essa parte do capítulo com mais uma passagem de um diário de um agricultor, que mostra o grande lucro de suas transações.
IV
Tanto os paternalistas se irritavam com os negociadores, quanto a multidão, pois em tempos de escassez eles não admitiam que o produto dali fosse vendido pra outros lugares.
Além disso, o produto vendido internamente ganhara a fama de má qualidade. Por vezes foram publicadas e, por conseqüência, divulgadas, declarações e acusações de impureza do pão. Que se misturavam cal, giz, ossos roubados dos cemitérios, e até esterco seco de cavalo ao pão.
Os motins se intensificam na tentativa de proibir a exportação dos cereais. Os mineiros que trabalhavam perto das passagens do trigo eram especialmente inclinados a agir nas épocas de comércio. Certa vez, ofereceram uma quantidade de dinheiro aos comerciantes por alguns galões de trigo e quando negados invadiram a porta do porão e carregaram tudo, sem pagar por nada.
As estradas eram bloqueadas, as carroças interceptadas e descarregadas. Ameaçava-se destruir os canais.
Cartas anônimas de apelo eram enviadas às autoridades. Cartas de ameaças aos negociantes. Sempre colocando do que seriam capazes de fazer, caso não atendidos.
O alvo deixa de ser o padeiro, que em contato diário com a população, tinha certa proteção do paternalismo. O padeiro, por sua vez, direcionava a culpa para os moleiros ou o mercado de cereais.
(...)
THOMPSON, E.P. “A Economia Moral da Multidão Inglesa no Século XVIII” in Costumes em comum: estudos sobre a cultura popular tradicional. SP: CIA. Das Letras, 1998

2 comentários:

Excelente!!!foi muito útil para mim.Achei o texto super denso mas aqui consegui entender.

Não achei o texto dificil ou mesmo denso, o texto de thompson é facil de ler e compreender, mesmo aquele que nao sabe muito de historia sabe interpretar

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