quinta-feira, 2 de junho de 2011

O retrato da marcha da liberdade por Felipe Floresti

Felipe, com licença?! Preciso compartilhar seu texto. Porque foi assim que me senti com a falta do noticiário. Porque foi assim que me senti com os pre-julgamentos quando eu disse que fui à Marcha... Porque é assim que a gente se sente vendo tanta desinformação.



Texto de Felipe Floresti sobre a Marcha da Liberdade.
Minha mãe me ligou preocupada na última sexta-feira.
_ Você vai participar de uma passeata amanhã?
_ Vou mãe!
_Aí Fê. Toma cuidado lá. Tem polícia. Sempre tem briga.
_Mãe, se tiver alguma briga, é a polícia que causa. O clima e o objetivo são outros.
O mundo mudou, mãe. Pelo menos uma parte dele. Teve uma época, que eu vi em filmes, em que as pessoas pegavam em armas para lutar contra um inimigo concreto. Ele tinha nome, sobrenome e patente. Concordando ou não, todos sabiam quem era. Era mal e violento. Para lutar com ele, foi preciso pegar em armas.

Esse se foi. Não houve a queda marcante que todos queriam, mas uma transição tranquila e segura (para eles). Depois disso, lembro de jovens contra a globalização, atacando fóruns econômicos mundiais, contra a privatização. Lembro do pequeno Felipinho sentado no sofá, ao lado de meu pai, vendo os mesmos apresentadores de hoje (ou era o Cid Moreira? Será? Sou véi assim?), e ouvindo papai dizer: “Se perguntar, aposto que eles nem sabem por que estão lá”. Eu achei graça, mas tenho certeza hoje que eles sabiam. Eu entendo e compartilho de suas ideias. Mas a violência de coquetel molotov, faces cobertas, brigas, não teve resultado. Está tudo privatizado, globalizado, definido, é o “fim da história” de Fukuyama.

Bom, agora sei que quem não entendia era

 meu pai. Não por culpa dele (pai, te amo). A TV não mostrou as razões de ninguém que estava lá, da mesma forma que não mostrou no grande comício de Diretas Já que transformou em celebração do aniversário da cidade. Nem os jornais, nem a Veja, a revista inacreditavelmente mais lida do País. É menos claro quem é o inimigo desta vez. Inimigo acobertado por quem tem o interesse em acobertar. Papai não tinha internet. Blogs? Midia alternativa? Isso não existia. Houve uma época em que o Marcelo Tas era exemplo de jornalismo confrontador. Não que todo mundo precise concordar com quem está lá, ou diz o que quer que seja. É direito de cada um ser neoliberal, anarquista, pedófilo… “Opa, pedófilo não”. Mas tem que pelo menos saber do que se trata.
O tempo passou. O mundo está diferente. A tecnologia ajudou um bocado na vida da gente. Antes, quem podia me contar o que se passava na Espanha se eu não conhecesse ninguém de lá? Eu sei, vejo relatos do que eles passam nas praças Puerto del Sol ou da Catalunya, vi o mapa da praça, sei como e quem comemorou o título do Barça e como fugiram da violência da polícia (lá como cá…). Mas como era a vida do pessoal que gostava de viver na Alemanha Oriental? Existia esse tipo de gente? Imagino que sim, mas esses personagens estão fora do imaginário coletivo. “A revolução não será televisionada”.

Acabada a “Marcha pela Liberdade”, chegando em casa, fui procurar na internet a repercussão do que ocorreu. Os dois skinpunkanarquistaracistawhitepowergayouocaralhoderotuloquereceberam que chutaram o furgão da Globo eram os destaques. Quando não eram, a “Marcha dos dois mil maconheiros que querem fumar maconha sem apanhar da polícia” era notícia. Pô pessoal, desse jeito minha mãe acha que sou maconheiro e saio mijando no carro de rede de TV. Até amigos meus, jovens, inteligentes e instruídos, lançaram um “Aê maconheiro” quando disse onde passei minha gloriosa tarde de sábado, ao invés de ver meu lindo Barça vencer mais uma Champions League com show do Messi vermelhinho. Olha o imaginário coletivo aí gente.

Informação alternativa só atinge quem se interessa por informação alternativa. “É né. Então aquele blog fulero fala a verdade e a Globo mente?”. Hum, vamos ver. Não necessariamente né! Não existe muito verdades absolutas. Existem pontos de vista. Ou melhor, pontos de referência. Sabe? Aquilo que a gente aprende na aula de física. Ponto material, e os caralho? Então, a visão das coisas é diferente de onde se olha. Às vezes acabam complementando a informação, às vezes atrapalham o que se quer ver. A imprensa tradicional com certeza não estava na “Marcha”. Podia estar em volta, vendo de perto, mas não estava lá. Não sentiu a vibe. Via de fora. Não estava dentro. Eu estava. O pessoal abaixo também.

Tá certo que uma boa parte estava querendo a legalização da maconha. Era uma das demandas mais ouvidas por lá. Era bandeira do Bob pra cá, legalize pra lá. “Ei polícia, pamonha é uma delícia”. Também teve violência. Água e ovo voaram pela janela em alvos aleatórios pela rua. Quando a multidão cruzava a esquina da Av. Paulista com a Consolação, foi a vez de bexigas coloridas tomarem os céus levando ainda mais cor e alegria à marcha. Ao mesmo tempo, provavelmente de algum apartamento abaixo, voaram punhados de gesso mole (devia ser isso) que acertaram um rapaz ao meu lado e uma mulher ali perto, entre outros.

A diferença é que ao lado da maconha, uma dragqueen fazia uma prévia da Parada Gay, e outros defendiam a união homoafetiva. Ao lado, um casal punk com a jaqueta de couro toda incrementada. Pessoas a favor do aborto dividiam as ruas com os querem que o novo código florestal seja vetado. Outros mais focados no que ocorre na Espanha e pensam em democracia real e querem uma mudança no modelo econômico que vivemos hoje. Alguns eram tudo isso junto. Todos ao som de um grupo de maracatu, saltando sem parar, pois “quem não pula quer censura”, felizes, carregando flores, defendendo sua causa e aprendendo com a do outro. “Em casa somos um, juntos somos todos”. Logo a mulher do gesso já pulava mais empolgada que nunca.

E quem jogou coisas da janela? Jogou por não entender o que se passa. Jogou por não estar na rua. Por não poder compartilhar da beleza daquela tarde. Tirassem o pijama, desligassem a televisão e descessem alguns lances de escada, estariam pulando junto com os outros. Era a marcha da liberdade. Liberdade de defender o que bem entendesse, mas focados em um objetivo maior: Ser livre.

Se, como já dizia aquele barbudo: “Tudo que é sólido se desmancha no ar”, quem sabe, então, esse conceito tão intangível não se concretize em cada um e na sociedade? Quem sabe não possa ocupar espaço no imaginário coletivo? Modelos alternativos de mundo, sociedade e economia foram pensados, mas a prática deixou a liberdade muito longe das pessoas. O mundo atual finge que o ser humano é livre, quando poucos conseguem ser. Poucos sabem o que é isso.

Eu não acredito que um momento, um dia, vai entrar para a história como o que mudou o mundo. Sem turning points. Os acampamentos na Espanha começaram dia 15 de maio e duram até hoje, se espalhando para Atenas, Paris, Bruxelas. Não sei até quando eles vão durar. A “Marcha da Liberdade” aconteceu no último dia 28 e se dissipou assim que botamos os pés na Praça da República. Nenhuma mudança concreta foi vista. Começamos a semana tendo que trabalhar, ou buscar emprego, da mesma forma que a anterior. Mas algo aconteceu. Como disse Eduardo Galeano, é a injeção de vitamina E, E de Entusiasmo. A vibe de acreditar que podemos fazer do mundo um lugar melhor para todos seus habitantes. Acredito que quem lá esteve conseguiu sentir a energia, da mesma forma que não espero que quem não foi a entenda.

Mas da próxima vez, antes de taxar qualquer um de maconheiro, briguento, punk, zé rosca ou qualquer outra coisa, antes de jogar ovo, água, gesso ou o que for, dê um pulinho ali. São apenas algumas horas em sua vida. Provavelmente, quando você chegar a sua casa, o mundo vai continuar o mesmo. Mas uma coisa eu te garanto, você não vai. Quem não pula quer mais do mesmo. Você vai mudar. “A gente muda o mundo na mudança da mente”. É assim a revolução de cada um. É essa a revolução do mundo. #worldrevolution.

(por Felipe Floresti)


quarta-feira, 1 de junho de 2011

Calma aí, calma aí, calma aí!

Como diria o nosso hilário amigo que causou um acidente embriagado ali: "Calma aí!". 

Então, quer dizer que os saudosos homens públicos da nossa cidade canção deram pra fazer o que bem entendem, e como bem desejam? 

O que é isso? 

Acabo de ler uma notícia no O Diário em voz alta para o meu namorado, que está a poucos metros de distância de mim. Leio, omitindo o endereço e nome do bar propositalmente, e no fim da reportagem pergunto: Rafa, adivinha onde aconteceu isso? Sua imediata resposta foi: São Paulo? 

Onde mais aconteceria uma atrocidade destas? Para os que não acompanharam a recente notícia que tive acesso no mega-veloz-canal-de-comunicação-superconfiável-Facebook, segue a notícia d'O Diário abaixo:

Uma abordagem da PM deixou os clientes do bar Quintal, na Avenida JK, assustados na noite de ontem.  Conta uma colega de trabalho que quatro viaturas chegaram ao local às 20 horas, com direito a pistolas e até submetralhadora em punho, gritando com  os clientes. O objetivo era fechar o bar, que estaria sem alvará. O fechamento não se concretizou, porque a papelada — uma liminar — já estava nas mãos do proprietário.
O que sempre chamou a atenção foi a truculência da polícia, desproporcional.
As mulheres que estavam no estabelecimento foram colocadas contra a parede e revistadas por uma policial. “Uma PM baixinha chutou o meu pé e disse que era para eu abrir as pernas. Comecei a chorar”, disse a colega. “Uma amiga reclamou da violência e foi agarrada pelos cabelos. Não precisava daquilo”.

Os comentários revoltosos no início da lista que segue a notícia são típicas reações não-recentes de cidadãos maringaenses já temerosos com a ação policial na cidade. Não é de hoje que o poder público reprime e censura, com pífea justificativa, momentos de lazer, principalmente dos universitários (exclusivamente da UEM, na área universitária).

Em seguida, na lista de comentários, surgem comentários raivosos e violentos, em defesa do serviço policial de agressão e descortesia. Em resposta a um deles eu repondo: Não, não quero que o policial me peça licença e me estenda um sorriso antes da revista. Eu quero, sim, que a polícia entre no estabelecimento, em alto e bom tom (sem agressividade) peça para que os clientes se retirem, pois o bar irá fechar por problemas judiciais.

Ao invés disso, os policiais encostam os presentes em uma parede, como relata uma testemunha, uma policial chuta o pé de uma cliente, ordenando-lhe que abra as pernas e puxa o cabelo de outra que está chorando de medo.

Eu posso estar enganada, cometendo um grande equívoco, postando algo que li somente em uma fonte há cerca de 5 minutos, e peço que desconsiderem meu desabafo se me excedo.

No entanto, não é de hoje (sim, me repito) que o poder público está tratando desta forma sua população. Os estudantes da Universidade Estadual de Maringá vem sofrendo similar repressão nos arredores da UEM. Revistas, bloqueios, confrontos, agressividade.

Há poucos meses, quando ainda morava na cidade, ouvi gritos desesperados de socorro que clamavam por polícia. Minha rua era calma e já morava lá há pelo menos um ano, sem que nunca tivesse ocorrido nada parecido. Por azar, era o dia de folga do segurança coletivo. Imediatamente, tremendo de medo, tranquei as portas e janelas, enquanto meu namorado ligava para a polícia. Liguei para o meu irmão para que não voltasse pra casa naquele momento e me tranquei no quarto temerosa. Cerca de dez minutos depois, quando tudo já estava silenciado, saí do quarto e vi a luz do giroflex vermelho na minha janela. Eu e meu namorado saímos de casa e, como numa boa cidade interiorana, toda a vizinhança estava à beira de seus portões, observando a conversa dos policiais com os moradores da casa. Eles gritavam com os moradores, chamavam-lhes a atenção, afinal os engraçadões tinham feito aquele alarme todo brigando com um vizinho nosso! A policial virou para toda a vizinhança e gritou: viu só? satisfeita? está vendo o circo que você armou na rua? trezentas ligações para a polícia de um alarme falso! A GENTE TEM MAIS O QUE FAZER, PORRA! 

Eu sei que o caso não ilustra exatamente o motivo do post, e a oficial estava certa até certo ponto, mas permitam que eu me explique: a impressão que dá é que a polícia acha que está num filme estadunidense, daqueles bem podrões, de "domingo maior", onde pode sair soltando xingões, chavões e clichês. 

Claro que esse desvio foi uma brincadeira... o ponto é claro e só falta mesmo a mobilização (que já começa a se levantar, pouco a pouco). O poder público de Maringá funciona a (des)serviço de uma elite conservadora e antiquada. Pois bem, quando é que a polícia invadiu bares burgos como o Sweet Pepper ou o Lava-carros*, por exemplo, pra revistar os mauricinhos e patricinhas que vendem cocaína e outras drogas em plena noitada?

*Esses bares são fictícios e qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. 

Até hoje não levantei a bandeira dos universitários "beberrões", "baderneiros" e "drogados" (como já nomeados pelos conservadores preconceituosos), mas essa notícia foi o limite - e eu sei que aí o universitário não é a vítima. Mas eu sei quem é o vilão.

Trata-se somente de levantarmos nossas vozes e impedir que a nossa cidade se transforme no absurdo de repressão que São Paulo tem vivido, por preconceito, ineficiência pública e conservadorismo barato.

Ei, eu estou falando com você, que me crucificou, sem eu ter feito nada! 

*eu vou me explicar, antes que um comentário ridículo apareça em reação ao ilustríssimo "acidente embriagado" - se beber, não dirija!

domingo, 29 de maio de 2011

Para o fim da Liberdade de Repressão.

São Paulo e outras partes do mundo tem vivido um pesadelo no que diz respeito à liberdade de expressão. Na semana passada, algumas centenas de defensores da legalização da maconha participaram de uma tentativa de protesto que teria início no vão do MASP (Museu de Arte de São Paulo, na Avenida Paulista). O protesto foi proibido pela justiça e na tentativa de negociação com os PMs, os organizadores conseguiram permissão contanto que não houvesse nenhuma menção à droga e ao crime.

Todas as palavras que tinham qualquer relação com maconha foram cobertas com faixas pretas e os manifestantes cobriram também suas bocas e iniciaram a marcha. A negociação foi infringida, claro, e os manifestantes iniciaram gritos como "Polícia sem-vergonha, o seu filho também fuma maconha" - "Ei, polícia, maconha é uma delícia" - "Dilma Ruseff, libera o nosso beck".

A partir desse momento a tropa de choque foi ativada e diversos manifestantes sofreram agressões e 6 foram presos.

O video que saiu da Folha que mostra a agressão policial no dia 21 de Maio não é só revoltante, ele PEDE reação.

E foi exatamente o que ocorreu ontem, 28 de maio, com início no vão do MASP e fim no centro da cidade de São Paulo: Pessoas de todas as tribos, com diversas bandeiras foram protestar o CALE-SE que os manifestantes sofreram na última semana.

A questão já não era mais a legalização da droga somente, era em favor do vegetarianismo, da redução ou erradicação da tarifa do transporte público, do uso de bicicletas no trânsito de São Paulo, contra a agressão policial, da liberdade e respeito ao homoafetivo, aborto, enfim, foram 35 entidades levantando suas bandeiras.

Jovens, senhoras, senhores, bebês, cachorros, papagaios, siris e aves de todas as cores estavam lá para defender o uso do rosa, do amarelo, do azul, do preto e do branco, o uso da roupa íntima, o seu não-uso, o uso do espaço e do tempo, defender o uso da boca, dos olhos e dos ouvidos. Defender o uso do corpo, da mente e do coração sem que ninguém interferisse em mais nada, quando não houvesse uma agressão à liberdade do próximo.

A harmonia das flores mostrou a única arma que pode ser usada pra contrapor um mundo entupido de sangue e ódio. O gesto da jovem que tentava entregar flores aos oficiais mostrou não há vingança e rancor no futuro desejado. Os oficiais que aceitavam as flores mostravam que também estavam presos na cinzenta caixa de repressão e sufoco.

Quando eu fui em direção ao vão do MASP ontem, meu corpo demonstrava minha fragilidade e meu medo. Quando eu tive que ultrapassar o cordão de policiais para entrar na manifestação meus olhos se voltaram para o chão num movimento instintivo de receio à repressão. O corpo, que podia sofrer as piores consequências, mostrava-me de todas as formas que eu deveria estar em casa, assistindo tudo aquilo pela televisão ou pela tela do meu computador, embaixo das cobertas, naquela que viria a ser a noite mais fria de São Paulo em todo o ano.

Mas não era o que o coração e o espírito de indignação diziam. Quando eu finalmente ultrapassei a barreira de policiais e me deixei envolver pelas centenas de manifestantes e bandeiras, pelo som arrepiador das baterias, e pelos sorrisos dos voluntários que distribuíam as flores, pude sentir coragem e vitória. Éramos muitos. Éramos tudo que precisávamos ser. Éramos juntos.

A Marcha da Liberdade foi um grito contra o sufoco de todos. Contra o sufoco de qualquer um que indigna-se com qualquer coisa. Somos cidadãos que contribuem para um Estado que insiste em não responder e em corromper.

Mas ontem mostramos que estamos aqui. E vamos sair às ruas, se preciso. Porque paciência tem limite e esse descaso logo há de rompê-lo.


O outro video que segue abaixo é de um defensor da legalização da maconha, que procura resumir o ocorrido em São Paulo nos últimos dias.


quinta-feira, 12 de maio de 2011

Dançando conforme a música

O rebuliço da criação da Liga das Nações no Senado dos Estados Unidos em 1919. 

"Wilson’s commitment to a world in which democracy could flourish was by itself revolutionary. Equally evolutionary was the second component of his vision—the belief that the key to creating that world lay in extending the reach of international law and building international institutions. The former college president—who ironically during his first term had enthusiastically used American military power to enforce the Roosevelt corollary to the Monroe Doctrine—called on the victorious powers to craft an international agreement that would provide “mutual guarantees of political independence and territorial integrity to great and small states alike.” He went to the Paris Peace Conference in December 1918 to push his idea on deeply skeptical European leaders.

"He was ultimately forced to compromise on many of the particulars of his plan. Nevertheless, in the end he prevailed on the core point. The Treaty of Versailles, signed in July 1919, established a League of Nations that would “respect and preserve as against external aggression the territorial integrity and existing political independence of all.” Wilson returned to the United States convinced that the idea of collective security—“one for all and all for one”—would prevent war and remake world politics. The idea of the League of Nations was also revolutionary for American politics. Wilson was asking Americans to do more than just cast away their aversion to entangling alliances. The United States, after all, had fought World War I as an “associated” power and not an “allied” one in deference to the traditional reluctance to become tied militarily to other countries. He was asking them to spearhead an international organization that would seek to protect the security of its members, however far they might be from American shores. That would prove the rub.

"The Senate’s rejection of the Treaty of Versailles is usually recounted as a triumph of traditional solationism. Isolationists certainly were the treaty’s most vociferous critics. The “irreconcilables” and “bitterenders,” as they were called, were led by Republican Senator William E. Borah of Idaho, a man who had a reputation as an expert on world affairs despite never having left American soil. The irreconcilables were traditional isolationists who vehemently opposed entangling the country in foreign alliances. Borah insisted that if he had his way the League of Nations would be “20,000 leagues under the sea” and he wanted “this treacherous and treasonable scheme” to be “buried in hell.” Even “if the Savior of men would revisit the earth and declare for a League of Nations,” he declared, “I would be opposed to it.”"


A rejeição do Senado à Liga é famosa entre os isolacionaistas. O então Senador William E. Borah e seus companheiros "irreconsiliáveis" se opuseram raivosamente ao tratado.  Eles se opunham ao fato que Wilson queria empreender o mundo. Não queriam que os EUA atassem seu destino ao capricho e aos interesses alheios. 

“Are you willing to put your soldiers and your sailors at the disposition of other nations?” 
Senador Republicano
Henry Cabot Lodge de Massachusetts


The victory of the anti-treaty forces heralded for a time the continuation of the policy of the free hand that Lodge and others so loved. By the beginning of the 1930s, however, this unilateral internationalism began giving way to rising isolationist sentiment. As the country entered the Great Depression and war clouds gathered on the European horizon, Americans increasingly retreated to Fortress America. Some isolationists argued that war would not occur. In July 1939 Senator Borah confidently predicted, “We are not going to have a war. Germany isn’t ready for it. I have my own sources of information.”



Com o fim da guerra, os Estados Unidos dominaram o mundo como ninguém havia dominado antes. As potências mundiais estavam destruídas. Tinha, de longe, as mais potentes força aérea e naval. Além do mistério do maior temor do mundo em suas mãos: a promessa da bomba atômica. 


Ter o mundo ao pés da América, em forma de "Liga das Nações"? Hum... Talvez seja uma boa ideia. 



Trechos extraídos de "America Unbound de Daalder & Lindsay, 2003, p. 6-7
(Fotos do então presidente dos Estados Unidos e do Senador, respectivamente)

quinta-feira, 3 de março de 2011

As culpas do destino e o ponto final de Bloch.

Dedico esse post à Regulamentação da profissão do Historiador.


" Nada como reproduzir a nota humilde, deixada por Bloch em um pé de página: "Talvez não seja inútil acrescentar ainda uma palavra de desculpas; as circunstâncias de minha vida atual, a impossibilidade em que me encontro de ter acesso a uma biblioteca, a perda de meus próprios livros fazem com que deva me fiar bastante em minhas notas e em minha memória. As leituras complementares, as verificações exigidas pelas próprias leis do ofício cujas práticas me proponho a descrever permanecem para mim frequentemente proibidas. Será que um dia poderei preencher essas lacunas? Nunca inteiramente, receio. Só posso, sobre isso, solicitar a indulgência, diria assumir a culpa, se isso não fosse assumir, mais do que seria legítimo, as culpas do destino."
" o destino não quis, e a culpa de Bloch é antes a culpa de cada um de nós. O final abrupto do livro, surge quase como um constrangedor silêncio. Mais do que a falta de notas e referências — que antes sinalizam a extrema erudição do historiador -, fica a ausência gritante de um ponto final. Dizia Bloch: "causas não são postuladas, são buscadas" e assim o texto se cala, por mais que o leitor, angustiado com esse término inesperado, tente ler nas entrelinhas ou em algum outro sinal que ficou sem querer ficar. "Causas não devem ser postuladas" assim como não se explicam a violência da guerra e os radicalismos cometidos em nome dela".
Marc Bloch foi preso por participar da Resistência Francesa à invasão alemã. Foi fuzilado pelos nazistas e não completou seu livro "O Ofício do Historiador". O livro foi publicado por Febvre, com quem conviveu intensamente.

Li um ou outro capítulo na graduação do livro que também leva o título "Apologia da História" , mas inicio na íntegra a leitura do livro agora para a Seleção de Mestrado da USP.

Parabéns Historiadores, pela regulamentação da nossa profissão! Mais uma luta vencida!


BLOCH, M. Apresentação à edição brasileira, Por uma historiografia da reflexão In.: Apologia da História. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Repressão em nome da conveniência.

Antes tarde do que nunca, já diz o velho chavão.

Iniciei há pouco tempo a leitura do famigerado "Revolução dos Bichos" de George Orwell. Logo pretendo escrever algo mais completo sobre a obra, no entanto, chamou-me muito a atenção o trecho reproduzido logo abaixo.

A obra traz muita angústia, agonia e inconformação. Orwell faz uma crítica aos modelos ditatoriais, repressores, totalitários. Fica claro, porém, que a crítica é direta ao modelo stalinista pós-revolução russa de 1917. E é com essa analogia que pretendo trabalhar dentro de alguns dias, após a leitura do livro.

Antes, gostaria de expor aqui o sentimento de atemporalidade que a obra traz. Mesmo sabendo que o livro traz uma crítca àquele tempo, fica latente a possibilidade de adequação ao nosso e qualquer outro contexto de letargia e paralisia em frente às barbaridades das quais nos submetemos frente à política brasileira e externa.

Ao ler a obra de Orwell, um sentimento de incredulidade permanece constante e dolorido frente ao conformismo dos animais perante às artimanhas do líder Napoleão. A aceitação e submissão dos animais nos traz o pré-julgamento de estupidez e maleabilidade. O que é preciso refletir aqui é: estamos tão longe da realidade dos "Bichos" do sistema "Animalismo"? Ou somos o Sansão da nossa história (cujo lema é "Napoleão tem sempre razão" e "a solução que vejo é 'trabalhar sempre mais'")?. Ou então preferimos assumir a função do burro Benjamin - sempre calado e reflexivo, que dá a impressão de sábio, no entanto não age, não muda, não transforma, prefere permanecer inerte à sua realidade, sabendo que é um ser que vive demais e o esforço não vale o resultado?
Abaixo, sob ilustração de Daniel Kawano, trago um trecho da obra, na qual Napoleão executa inimigos infiltrados no sistema, passagem que nos leva imediatamente ao massacre executado pelo ditador Stálin antes do meio do século XX, quando tem praticamente todos os seus inimigos assassinados.



Ilustração de Daniel Kawano

" Napoleão parou e dirigiu um olhar severo à assistência; depois deu um guincho estridente. Imediatamente os cachorros avançaram, pegando quatro porcos pelas orelhas e arrastando-os a guinchar, de dor e terror, até os pés de Napoleão. As orelhas dos porcos sangraram e o gosto do sangue pareceu enlouquecer os cachorros. Para surpresa de todos, três deles lançaram-se sobre Sansão. Este reagiu com um pataço que pegou um dos cachorros ainda no ar, jogando-o ao solo. O cachorro ganiu pedindo compaixão, e os outros dois fugiram, com o rabo entre as pernas. Sansão olhou para Napoleão para saber se devia liquidar o cachorro ou deixá-lo ir. Napoleão pareceu mudar de idéia e rispidamente ordenou a Sansão que o soltasse, e ele ergueu a pata, deixando ir o cachorro ferido, uivando.

O tumulto amainou. Os quatro porcos esperavam trêmulos, com a culpa desenhada em cada linha do semblante. Então Napoleão concitou-os a confessar seus crimes. Eram os mesmos que haviam protestado quando Napoleão abolira as Reuniões dominicais. Sem mais demora, confessaram ter realizado contatos secretos com Bola-de-Neve desde o dia de sua expulsão e haver colaborado com ele na destruição do moinho de vento; confessaram ainda que também haviam-se comprometido com ele a entregar a Granja dos Bichos a Frederick. Acrescentaram que Bola-deNeve havia admitido, na presença deles, ter sido durante muitos anos agente secreto de Jones. Ao fim da confissão, os cachorros estraçalharam-lhes a garganta e, com voz terrível, Napoleão perguntou se algum outro animal tinha qualquer coisa a confessar.

As três galinhas que haviam liderado a tentativa de reação a respeito dos ovos aproximaram-se e declararam que Bola-de-Neve lhes aparecera em sonho, instigando-as a desobedecerem as ordens de Napoleão. Também foram degoladas. Aí veio um ganso e confessou ter escondido seis espigas de milho durante a colheita do ano anterior, comendo-as depois, à noite. Uma ovelha confessou ter urinado no açude por insistência, disse, de Bola-de-Neve - e duas outras ovelhas confessaram ter assassinado um velho bode, seguidor especialmente devotado de Napoleão, fazendo-o correr em volta de uma fogueira quando ele, coitado, estava com um ataque de asma. Foram mortas ali mesmo. E assim prosseguiu a sessão de confissões e execuções, até haver um montão de cadáveres aos pés de Napoleão e no ar um pesado cheiro da sangue, coisa que não sucedia desde a expulsão de Jones ".

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Nostalgia

*a matéria é de "Revista de História da Biblioteca Nacional

18/02/2011
Balas que marcaram época
Mostra no Museu Paulista expõe 206 embalagens de doces fabricadas a partir da segunda metade do século XX

Em 1985, surgiu no interior de São Paulo uma bala amarelinha que marcou uma geração. Embrulhadas em papel colorido, as pequenas Balas Chita de sabor abacaxi se tornaram febre entre os jovens da época. Hoje, as embalagens deste e de mais 205 doces que deliciaram o Brasil nos últimos 50 anos estão em exposição no Museu Paulista da USP, em São Paulo.

As peças expostas foram selecionadas entre 5 mil rótulos e embalagens que compõe uma coleção adquirida pelo museu em 2003. O intuito dos curadores da mostra era de fazer o visitante refletir sobre três questões: os sabores preferidos por gerações, a transformação das embalagens e a mudança de costumes ao longo dos anos.

“Papel de Bala” fica em cartaz até o dia 15 de maio. O MP fica no Parque da Independência, s/n. Visitação é gratuita: de terça a domingo, das 9h às 17h. Ingressos: R$ 6. Mais informações pelo telefone (11) 2065-8001.

Abaixo, algumas embalagens em exposição:

[Chiclete Ping Pong]

[Bala Pop´s]

[Caramelo Dimbinho]

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Chamada FAPESP - Universidade de Surrey

"Chamada FAPESP-Universidade de Surrey recebe propostas até dia 15

Postado por Rede Histórica em 11 fevereiro 2011 às 15:49

Agência FAPESP – A FAPESP e a Universidade de Surrey, no Reino Unido, receberão até o dia 15 de fevereiro propostas na chamada para intercâmbio de pesquisadores lançada em 23 de novembro de 2010 pelas instituições.

Podem apresentar propostas pesquisadores vinculados a instituições de ensino superior ou pesquisa, públicas ou privadas, no Estado de São Paulo, responsáveis por Auxílios à Pesquisa vigentes apoiados pela FAPESP, nas modalidades Auxílio à Pesquisa – Regular, Auxílio à Pesquisa – Projeto Temático ou nos programas Apoio a Jovens Pesquisadores em Centros Emergentes (JP) e Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid).

Em cada proposta, podem se candidatar para o intercâmbio o próprio pesquisador responsável, pesquisadores doutores e bolsistas de pós-doutoramento da FAPESP associados ao projeto vigente.

A chamada está aberta a todas as áreas do conhecimento. O período de atividade do intercâmbio, de até 24 meses, deve estar contido na duração do projeto apoiado pela FAPESP.

A FAPESP e a Universidade de Surrey destinarão cada uma o equivalente a até 6 mil libras por ano para cobrir despesas de transporte, moradia e seguro dos selecionados.

As solicitações deverão ser apresentadas simultaneamente pelo pesquisador no Estado de São Paulo (à FAPESP) e por seu colaborador no Reino Unido (à Universidade de Surrey).

Mais informações sobre a chamada: www.fapesp.br/acordos/surrey "

Texto na Rede Histórica aqui

Motins de Fome - por E.P. Thompson

Primeira parte do capítulo IV de “Costumes em Comum”, de E.P. Thompson, intitulado “A Economia Moral Inglesa do Século XVIII” sobre motins de fome - Breve resumo por Priscila Borba da Costa..
I
No início do capítulo o autor logo anuncia que tratará dos motins de fome na Inglaterra do século XVIII. A seguir traz a maneira de como foram tratados esses motins pelos historiadores que contribuíram para o nosso conhecimento sobre o assunto. Vários deles, segundo Thompson, tem apoiado a “visão espasmódica” da história popular. Entende-se, por essa visão, que as ações populares aconteciam por estímulo, espasmo. Para ilustrar, Thompson lista alguns historiadores que trataram do assunto. Estes retratam os motins como “desculpas para o crime”, “degeneração”, “desgraça”, “reação instintiva da virilidade à fome”, “rebeliões do estômago”. Thompson explica: “A linha de análise flui assim: elementar – instintivo – fome”.
Retrata que o maior nome da visão espasmódica é Rostow, que explica através do seu “mapa da tensão social” que as perturbações sociais surgiam de uma combinação do desemprego e o aumento dos preços dos alimentos. Trazendo o que Thompson considera uma verdade óbvia: “as pessoas protestam quando estão com fome”.
O autor discorda e chama a visão de Rostow e dos demais de “reducionismo econômico crasso” e explica que o comportamento não pode ser reduzido ao estímulo.
Essa primeira parte do capítulo vai trabalhar esse contexto muito mais complexo do que simplesmente estímulo.
“O motim da fome na Inglaterra no século XVIII era uma forma altamente complexa da ação popular direta, disciplinada e com objetivos claros”. Mais a frente no parágrafo, ele continua: “É certamente verdade que os motins eram provocados pelo aumento dos preços, por maus procedimentos dos comerciantes ou pela fome. Mas essas queixas operavam dentro de um consenso popular a respeito do que eram práticas legítimas e ilegítimas na atividade do mercado, dos moleiros, dos que faziam pão, etc. Isso, por sua vez, tinha como fundamento uma visão consistente tradicional das normas e obrigações sociais, das funções econômicas peculiares a vários grupos na comunidade, as quais, consideradas em conjunto, podemos dizer que constituem a economia moral dos pobres”. Por fim explica: “O desrespeito a esses pressupostos morais (...) era o motivo habitual para a ação direta”. (THOMPSON, 152)

II
Na segunda parte, Thompson fala sobre as leis que regiam o mercado a fim de proteger os pobres dos preços altos dos cereais. Relata que os trabalhadores do século XVIII não viviam somente do pão. Entretanto era a base de sua alimentação. E que, embora muitos comessem pão de centeio, cevada, aveia, pelo menos dois terços da população comia o pão feito de trigo.
A mistura de outros cereais consistia, muitas vezes, em situação de pobreza, solo pouco produtivo ou locais de difícil maturação do trigo.
Além do status atribuído ao pão branco, nas cidades, havia o medo de que pães integrais fossem adulterados e a eles adicionados elementos nocivos. Houve tentativas das autoridades no sentido de impor uma fabricação de pães mais grosseiros, mas havia um preconceito, por assim dizer, em relação aos demais pães. Pensava-se, por exemplo, que aqueles que estavam habituados a comer pão de trigo ao comer pães com misturas de cevada sentiriam indisposição para trabalhar. E quando o governo proibiu, em 1800, a fabricação de pães com qualquer outra farinha a não ser a integral ocorreram manifestações, que levaram à revogação da lei. Um exemplo delas está na página 155, terceira citação:
Um grupo de mulheres [...] foi até o moinho de vento de Gosden, onde, atacando o moleiro por lhes ter fornecido farinha escura, elas se apoderaram do pano com que ele estava peneirando a farinha (...) e cortaram-no em mil pedações; ameaçado fazer o mesmo com todos os utensílios. (THOMPSON, 155)
Em menos de dois meses a lei foi revogada.
Por mais simples que pareça o processo de distribuição dos cereais para a produção do pão, Thompson explica que em cada etapa desse processo surgiam complexidades como, por exemplo, oportunidades de extorsão. É nesse ponto do texto que o autor inicia-se a tratar da supervisão dos mercados.
O mercado deveria ser direto do produtor para o consumidor. O agricultor trazia o produto para o mercado local e a venda tinha que ser realizada em horários determinados, controlados por sinos e os comerciantes mais abastados não poderiam efetuar a compra antes da população mais pobre.
Eram proibidas as compras antecipadas, compras para futura revenda, açambarcamentos (retenção de matéria-prima com o objetivo de provocar elevação nos preços), assim como controladas as ações de vendedores ambulantes, varejistas, vendedores de amostras.
Através de autores de panfletos Thompson relata a ineficiência dessa fiscalização.
O que se vê não é mais do que bazares e barracas que vendem quinquilharias e badulaques [...]. As taxas são quase nulas; e se muitos habitantes ainda lembram que cem, duzentas, talvez trezentas, e, em alguns burgos, quatrocentas cargas de cereais costumavam vir à cidade num dia, agora a grama cresce na praça do mercado.
O século avança, as reclamações não desaparecem e proíbe-se a venda por amostragem, e promete-se punição aos fazendeiros que não direcionarem seus produtos aos mercados abertos.
Com pouca eficácia da fiscalização, novos motins ocorrem e os fazendeiros tomam caminhos alternativos, como reuniões entre eles e negociação dos preços antes de levá-los ao mercado. Os autores de folhetos indignam-se, defendendo que a presença dos fazendeiros no mercado é uma parte material de seu dever e não se deve tolerar que ele esconda ou disponha de suas mercadorias em outro lugar.
O modelo paternalista estava falhando, afastando-se da realidade. Reconheciam isso, mas, como reféns do povo, povo este que adotava partes do modelo como direito e herança, sempre voltavam atrás quando surgia uma emergência. O que parecia até conveniente, pois quando os motins se formavam, abria-se espaço para a pressão na redução dos preços.
A legislação contra as compras antecipadas foi revogada em 1772, a revogação, no entanto, fora mal redigida e em 1795 foram anunciadas novamente como delito.
Thompson declara que tudo isso tinha efeito simbólico para que os pobres sentissem que seus interesses estavam sendo defendidos.
III
Na terceira parte do capítulo, Thompson aborda a Reação ao paternalismo e a regulação do mercado, com a visão de Adam Smith e outros nomes. Coloca A riqueza das nações de Smith como uma
grande estação central para onde convergem muitas linhas de discussão na segunda metade do século XVIII (...) algumas delas (...) especificamente interessadas em demolir a antiga regulamentação paternalista do mercado. Isso significava mais um antimodelo do que um modelo novo. (THOMPSON, 160)
O proposto novo modelo tratava da capacidade de auto-regulação do mercado, defendia que no período de um ano o preço dos cereais se ajustaria por esse mecanismo de auto-regulação. Haveria a possibilidade de estocagem, de modo que os fazendeiros e comerciantes pudessem controlar a venda. E até mesmo quando houvesse elevação dos preços seria interessante para que houvesse um maior racionamento dos produtos, garantindo que nunca houvesse carestia de cereais. A partir dessa visão, a única maneira de entrar em colapso seria a intervenção do Estado e o preconceito popular.
Smith condena a proibição de produzir antecipadamente e estocar. Defende que isso desestimula o aumento de produção e prejudicaria o próprio comércio.
Thompson analisa a visão de Smith como ilusória. Enfatiza que seu objetivo não é refutá-lo, mas desconstrói algumas de suas ideias. Quando Smith defende que haverá um racionamento de cereais quando os preços se elevarem, por exemplo, Thompson discorda.
Defende que, sendo a base da alimentação, o pobre comprará somente o pão e deixará de comprar outros produtos. Ou seja, o consumo de pão será ainda mais elevado. Com o aumento de preço, a população comprará somente carne de baixa qualidade e pão. “Ao lado da água e ar, os cereais eram uma necessidade fundamental da vida, anormalmente sensível a qualquer carência na oferta” (página 163).
Mais a frente Thompson descreve que com o avançar do século os procedimentos do mercado se tornavam ainda menos transparentes, os cereais passavam por uma rede ainda mais complexa de intermediários.
Em setembro e em outubro quando era época de colheita abundante e os preços não eram reduzidos, novos motins ocorriam. Thompson termina essa parte do capítulo com mais uma passagem de um diário de um agricultor, que mostra o grande lucro de suas transações.
IV
Tanto os paternalistas se irritavam com os negociadores, quanto a multidão, pois em tempos de escassez eles não admitiam que o produto dali fosse vendido pra outros lugares.
Além disso, o produto vendido internamente ganhara a fama de má qualidade. Por vezes foram publicadas e, por conseqüência, divulgadas, declarações e acusações de impureza do pão. Que se misturavam cal, giz, ossos roubados dos cemitérios, e até esterco seco de cavalo ao pão.
Os motins se intensificam na tentativa de proibir a exportação dos cereais. Os mineiros que trabalhavam perto das passagens do trigo eram especialmente inclinados a agir nas épocas de comércio. Certa vez, ofereceram uma quantidade de dinheiro aos comerciantes por alguns galões de trigo e quando negados invadiram a porta do porão e carregaram tudo, sem pagar por nada.
As estradas eram bloqueadas, as carroças interceptadas e descarregadas. Ameaçava-se destruir os canais.
Cartas anônimas de apelo eram enviadas às autoridades. Cartas de ameaças aos negociantes. Sempre colocando do que seriam capazes de fazer, caso não atendidos.
O alvo deixa de ser o padeiro, que em contato diário com a população, tinha certa proteção do paternalismo. O padeiro, por sua vez, direcionava a culpa para os moleiros ou o mercado de cereais.
(...)
THOMPSON, E.P. “A Economia Moral da Multidão Inglesa no Século XVIII” in Costumes em comum: estudos sobre a cultura popular tradicional. SP: CIA. Das Letras, 1998